quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A MENINA QUE TINHA UMA MOSCA COMO ANIMAL DE ESTIMAÇÃO

O texto de hoje não é um conto de fadas, mas é um conto realmente interessante que integra o livro "As Boas Mulheres da China". Faz parte da nossa pesquisa sobre a Bela Adormecida e trata do abuso sexual dentro da família. Vale a pena ler.

"querida yulong,
você vai bem? desculpe por não ter escrito antes. não há motivo para isso, é só que tenho muito a dizer e não sei por onde começar.
já é tarde demais para lhe implorar que me perdoe o erro terrível e irreversível mas eu ainda quero lhe dizer: querida yulong, eu sinto muito!
você fez duas perguntas na sua carta: ' por que você não quer ver o seu pai' e 'o que a fez pensar em desenhar uma mosca e por que a fez tão bonita':
querida yulong, estas são duas perguntas muito, muito dolorosas para mim, mas vou tentar responder.

qual é a menina que não ama seu pai? um pai é a grande árvore abrigando a família, as vigas que sustentam uma casa, o guardião de sua mulher e de seus filhos. mas não amo meu pai - eu o odeio. na véspera de ano-novo do ano em que fiz onze anos, levantei bem cedo e, inexplicavelmente, estava sangrando. fiquei tão assustada que me pus a chorar. a minha mãe, que veio ter comigo quando me ouviu, disse: 'hongxue, você cresceu': ninguém, nem mesmo ela, tinha me falado sobre coisas de mulheres antes. na escola, ninguém ousava fazer essas perguntas ultrajantes. naquele dia, mamãe me deu uns conselhos básicos sobre como lidar com o meu sangramento, mas não explicou mais nada. fiquei entusiasmada: tinha me tornado mulher! saí correndo pelo quintal, pulando e dançando durante três horas. até esqueci o almoço. um dia, em fevereiro, estava nevando muito e mamãe tinha saído para visitar uma vizinha. meu pai tinha vindo da base militar, para uma das suas raras visitas. ele me disse: 'sua mãe diz que você cresceu. vamos, tire a roupa para o papai ver se é verdade': eu não sabia o ele que queria ver, e estava muito frio - eu não queria tirar a roupa.

'rápido! o papai ajuda!' disse ele, tirando-me a roupa com destreza. ele, que normalmente tinha os movimentos lentos, estava totalmente diferente. começou a passar as mãos pelo meu corpo inteiro, perguntando o tempo todo: 'esses mamilozinhos já incharam? é daqui que o sangue vem? esses lábios querem beijar o papai? é gostoso quando o papai passa a mão aqui, assim?'

eu me sentia morta de vergonha. pelo que me lembrava, nunca tinha estado nua na frente de ninguém, exceto nos banhos públicos separados. meu pai notou que eu estava tremendo. disse-me que não tivesse medo e me preveniu para não contar nada à mamãe: 'sua mãe jamais gostou de você' disse. 'se ela descobrir que eu amo você tanto assim, vai querer saber ainda menos de você'.

essa foi a minha primeira 'experiência de mulher': depois, tive uma náusea muito forte. a partir de então, bastava que minha mãe não estivesse na sala - ainda que estivesse só na cozinha, cozinhando, ou no banheiro - para que meu pai me prensasse atrás da porta e me alisasse inteira. fui ficando com medo cada vez maior desse 'amor'.

mais tarde ele foi transferido para outra base militar. minha mãe não podia ir junto por causa do emprego dela. e disse que tinha se esgotado criando a mim e a meu irmão e que queria que meu pai cumprisse suas responsabilidades por um tempo. assim, levou-nos para morar com ele. eu tinha caído na toca do lobo.

a partir do dia em que minha mãe foi embora, toda tarde meu pai se enfiava na minha cama enquanto eu descansava. ocupávamos um aposento num dormitório coletivo e ele usava a desculpa de que meu irmãozinho não gostava de cochilar à tarde para trancar a porta e deixá-lo do lado de fora. nos primeiros dias, só passava a mão pelo meu corpo. depois começou a forçar a língua na minha boca. aí começou a me cutucar com a coisa dura na parte inferior do seu corpo. vinha para a minha cama, já sem ligar se era dia ou se era noite. usava as mãos para me abrir as pernas e me molestar. até enfiava os dedos dentro de mim.

naquela altura tinha parado de fingir que era 'amor paterno': ameaçava-me, dizendo que, se eu contasse para alguém, seria criticada em público e teria que desfilar pelas ruas com palha na cabeça, porque já era o que chamavam de 'sapato usado': meu corpo, que ganhava formas rapidamente, o deixava cada vez mais excitado, enquanto eu me sentia mais e mais aterrorizada. pus um cadeado na porta do quarto, mas ele não se importava em acordar os vizinhos e batia até que eu abrisse. às vezes enganava outras pessoas no dormitório e elas ajudavam a forçar a minha porta, ou então dizia que precisava entrar pela janela para pegar alguma coisa porque eu tinha o sono muito pesado. outras vezes era o meu irmão quem o ajudava, sem saber o que fazia. assim, trancasse eu a porta ou não, ele entrava no meu quarto, em plena vista de todos.

quando ouvia as batidas eu com frequência ficava paralisada de medo e me enrascava tremendo embaixo do acolchoado. os vizinhos me diziam: 'você estava dormindo como uma morta. o coitado do seu pai teve que entrar pela janela para pegar as coisas dele!': eu não ousava dormir no meu quarto, não ousava ficar sozinha de maneira alguma. meu pai percebeu que eu estava sempre encontrando pretextos para sair e criou a regra de que eu tinha que estar de volta na hora do almoço, todo dia. mas era comum eu adormecer antes mesmo de terminar de comer: ele estava pondo remédio para dormir na minha comida.

eu não tinha como me proteger.

muitas vezes pensei em me matar, mas não tive coragem de abandonar o meu irmãozinho, que não teria ninguém a quem se voltar. comecei a ficar cada vez mais magra, até que adoeci gravemente. na primeira vez em que fui internada no hospital militar, a enfermeira de plantão disse ao médico, dr. zhong, que eu tinha o sono muito perturbado. acordada assustada ao mais leve ruído. o dr. zhong, que nao conhecia os fatos, disse que era por causa da minha febre alta.

mas, mesmo enquanto eu estava assim doente, meu pai vinha ao hospital e se aproveitava de mim, que estava com o tubo na veia e sem poder me mexer. uma vez, quando ouvi entrando no meu quarto, comecei a gritar descontroladamente, mas meu pai simplesmente disse à enfermeira - que viera correndo - que eu tinha muito mau gênio. naquela primeira vez só passei duas semanas no hospital. quando voltei para a casa, encontrei meu irmão com um machucado na cabeça e manchas de sangue no casaco.

contou que papai estivera de péssimo humor enquanto estive no hospital e o surrava ao menor pretexto. naquele dia o animal doentio que era o meu pai apertou-se enlouquecido contra o meu corpo, ainda desesperadamente frágil e fraco, sussurando que tinha morrido de saudade de mim! não pude conter o choro. aquele era o meu pai? tinha tido filhos só para satisfazer seus desejos animalescos? dera-me a vida pra quê?

minha experiência no hospital tinha me mostrado um jeito de continuar vivendo. injeções, comprimidos e exames de sangue eram preferíveis a viver com meu pai. assim, comecei a me ferir repetidamente. no inverno, encharcava-me de água fria e saía para o gelo e a neve. no outono, comia comida estragada. uma vez, em desespero, prendi o braço embaixo de um pedaço de ferro que estava caindo, para cortar a mão esquerda na altura do pulso. (não fosse por um pedaço de madeira macia embaixo, eu certamente teria perdido a mão). nessa ocasião, ganhei sessenta noites inteiras de segurança. entre ferimentos que eu mesma me causava e os remédios, fui ficando aflitivamente magra.

mais de dois anos mais tarde, minha mãe conseguiu uma transferência no emprego e veio morar conosco. a sua chegada não afetou o desejo obsceno que meu pai sentia por mim. disse que o corpo dela estava velho e murcho e que eu era a concubina dele. minha mãe não parecia notar a situação, até que um dia, no final de fevereiro, quando meu pai estava me batendo porque eu não tinha lhe levado alguma coisa que ele queria, gritei com ele pela primeira vez na vida, dividida entre a mágoa e a raiva: 'o que você é? bate em qualquer um quando tem vontade, molesta qualquer um quando quer!':

minha mãe, que assistia à cena, perguntou o que eu queria dizer com aquilo. assim que eu abri a boca, meu pai, encarando-me furioso, 'não diga absurdos!': eu não aguentava mais e contei a verdade a minha mãe. vi que ela ficou tremendamente perturbada. mas, poucas horas depois, a minha 'sensata' mãe me disse: 'pela segurança da família toda, você vai ter que suportar isso. caso contrário, o que é que nós todos vamos fazer?'

minhas esperanças foram completamente destruídas. minha própria mãe me dizia que tolerasse os abusos do meu pai, marido dela. onde estava a justiça disso? naquela noite minha temperatura chegou a quarenta graus. fui novamente trazida para o hospital, onde continuo até agora. simplesmente desmaiei, porque tinha tido um colapso cardíaco. não tenho intenção nenhuma de voltar para aquele suposto lar.

querida yulong, é por isso que não quero ver meu pai. que espécie de pai é ele? não digo nada por causa do meu irmãozinho e de minha mãe (ainda que ela não goste de mim). sem mim, eles ainda são uma família como antes. por que foi que desenhei uma mosca e por que a fiz tão bonita?

porque anseio por uma mãe e um pai de verdade, uma família de verdade, onde eu possa ser uma criança e chorar nos braços dos meus pais; onde eu possa dormir em segurança na minha cama, em casa; onde mãos carinhosas me afaguem a cabeça para me consolar depois de um pesadelo. desde a infância mais tenra nunca tive esse amor. esperei e ansiei por ele, mas nunca o tive, e agora jamais o terei, pois só se tem uma mãe e um pai.

uma mosquinha me mostrou um dia o toque de mãos carinhosas. querida yulong, não sei o que vou fazer depois disso. talvez eu a procure para ajudá-la de alguma forma. posso fazer muitas coisas e não tenho medo de dificuldades, desde que possa dormir em paz. você se importa se eu for? escreva e diga, por favor! eu gostaria mesmo de saber como você vai. continua praticando seu russo? você tem remédios? o inverno está chegando de novo, você precisa se cuidar bem.

espero que me dê oportunidade de remediar o mal que causei e fazer alguma coisa por você. não tenho família, mas espero poder ser uma irmã mais nova para você.

desejo-lhe felicidade e boa saúde!
sinto saudade de você.
hongxue, 23 de agosto de 1975.

esta carta me abalou profundamente, e encontrei dificuldade em me controlar durante a transmissão daquela noite. muitos ouvintes escreveram depois, perguntando se eu estava doente. terminado o programa, telefonei para a uma amiga pedindo para que fosse à minha casa para ver se estava tudo em ordem com o meu filho e a babá. depois, sentei no meu escritório vazio e pus em ordem os pedaços de papel. foi assim que li o diário de hongxue.

(...)


21 de abril - chuva leve
resolvi que vou ter um filhote de mosca como animal de estimação.

(...)


11 de junho - ?
só agora parei de chorar. ninguém sabia por que eu estava chorando. os médicos, os enfermeiros e outros pacientes pensaram que eu estivesse com medo de morrer. a velha mãe wang diz que 'a vida e a morte estão separadas por um fio'. acho que ela deve ter razão. a morte deve ser como o sono; gosto de dormir e de estar longe deste mundo. além disso, se eu morresse, não teria que temer que me mandem para a casa. tenho só dezessete anos, mas acho que é uma boa idade para morrer. serei jovem para sempre e jamais ficarei velha como a velha mãe wang, que tem o rosto todo marcado de rugas.

eu estava chorando porque o meu filhote de mosca morreu. anteontem à noite, só escrevi algumas linhas em meu diário e tive que parar porque me senti muito tonta. levantei para ir ao banheiro e, na volta, bem quando estava prestes a me deitar de novo, vi um par de olhos demoníacos na cabeceira da cama, cravados em mim. fiquei com tanto medo que gritei e desmaiei.

o dr. liu disse que delirei pela metade de um dia, gritando o tempo todo sobre moscas, demônios e olhos. a velha mãe wang disse aos outros pacientes que eu estava possuída por um mau espírito mas a enfermeira-chefe mandou-a parar de dizer bobagem.

(...)

27 de agosto - chuviscando
(...) acho que o ferimento do meu braço está levemente infeccionado. virou um grande caroço vermelhoe e está muito desconfortável escrever. mas eu disse à enfermeira que trocou o curativo que estava tudo bem e que não precisava mais passar pomada. para minha surpresa, ela acreditou! as mangas compridas do pijama do hospital cobrem os meus braços completamente. espero que dê certo.

'moscas são grandes portadoras de doenças'. as palavras da dra. yu me deram uma idéia, que decidi experimentar. não me importo com as consequências. até a morte é melhor do que voltar para a casa. vou esmagar a mosca grande em cima do corte no meu braço.

(...)
hongxue morreu de septicemia. na caixa de papéis havia um certificado de óbito, datado de 11 de setembro de 1975. (...) ao ser informado do suicídio da filha, o pai de hongxue sentira remorso? será que a mãe, que tratou a filha como um objeto a ser sacrificado, algum dia descobriu em si mesma um pouco de natureza materna? eu não sabia das respostas a estas perguntas. não sabia quantas meninas molestadas sexualmente estavam chorando entre os milhares de almas que dormiam na cidade naquela manhã."


"A MENINA QUE TINHA UMA MOSCA COMO ANIMAL DE ESTIMAÇÃO - Xinran - AS BOAS MULHERES DA CHINA"

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Cinderela segundo os Irmãos Grimm


Para aproveitar o fim de semana estamos inaugurando nossa nova coluna : Versões, cada um faz do seu jeito. Para está estreia escolhemos Cinderella o conto de fadas mais conhecido. Sabe-se sua versão mais antiga é de uma história contada na China, onde os pés pequenos eram considerados um sinal de beleza. A versão do francês Charles Perrault, de 1697, é que tem fada madrinha, carruagem-abóbora, e o sapatinho de cristal. Nas versões anteriores, transmitidas oralmente, Cinderela recebe a ajuda de sua mãe, cujo espírito se materializa sob forma de peixe, vaca ou árvore. Ao criar a fada madrinha Perrault acrescentou um toque mais poético a essa tradição. Na versão dos Irmãos Grimm, Cinderela não tem fada-madrinha. O texto é assim contado:
Há muito tempo, aconteceu que a esposa de um rico comerciante adoeceu gravemente e, sentindo seu fim se aproximar, chamou sua única filha e disse:
- Querida filha, continue piedosa e boa menina que Deus a protegerá sempre. Lá do céu olharei por você, e estarei sempre a seu lado - mal acabou de dizer isso,fechou os olhos e morreu. A jovem ia todos os dias visitar o túmulo da mãe,sempre chorando muito. Veio o inverno, e a neve cobriu o túmulo com seu alvo manto. Chegou a primavera, e o sol derreteu a neve. Foi então que o viúvo resolveu se casar outra vez. A nova esposa trouxe suas duas filhas, ambas louras e bonitas - mas só exteriormente. As duas tinham a alma feia e cruel. A partir desse momento, dias difíceis começaram para a pobre enteada.
- Essa imbecil não vai ficar no quarto conosco! - Reclamaram as moças. - O lugar dela é na cozinha! Se quiser comer pão, que trabalhe! Tiraram-lhe o vestido bonito que ela usava, obrigaram-na a vestir outro, velho e desbotado, e a calçar tamancos.
- Vejam só como está toda enfeitada, a orgulhosa princesinha de antes!
- Disseram a rir, levando-a para a cozinha. A partir de então, ela foi obrigada a trabalhar, da manhã à noite, nos serviços mais pesados. Era obrigada a se levantar de madrugada, para ir buscar água e acender o fogo. Só ela cozinhava e lavava para todos. Como se tudo isso não bastasse, as irmãs caçoavam dela e a humilhavam. Espalhavam lentilhas e feijões nas cinzas do fogão e obrigavam-na a catar um a um. À noite, exausta de tanto trabalhar, a jovem não tinha onde dormir e era obrigada a se deitar nas cinzas do fogão. E, como andasse sempre suja e cheia de cinza, só a chamavam de Cinderela. Uma vez, o pai resolveu ir a uma feira. Antes de sair, perguntou às enteadas o que desejavam que ele trouxesse.
- Vestidos bonitos - disse uma.
- Pérolas e pedras preciosas - disse a outra.
- E você, Cinderela, o que vai querer? - perguntou o pai.
- No caminho de volta, pai, quebre o primeiro ramo que bater no seu chapéu e traga-o para mim. Ele partiu para a feira, comprou vestidos bonitos para uma das enteadas, pérolas e pedras preciosas para a outra e, de volta para casa, quando cavalgava por um bosque, um ramo de aveleira bateu no seu chapéu. Ele quebrou o ramo e levou-o. Chegando em casa, deu às enteadas o que haviam pedido e à Cinderela, o ramo de aveleira. Ela agradeceu, levou o ramo para o túmulo da mãe, plantou-o ali, e chorou tanto que suas lágrimas regaram o ramo. Ele cresceu e se tornou uma aveleira linda. Três vezes, todos os dias, a menina ia chorar e rezar embaixo dela. Sempre que a via chegar, um passarinho branco voava para a árvore e, se a ouvia pedir baixinho alguma coisa, jogava-lhe o que ela havia pedido. Um dia, o rei mandou anunciar uma festa, que duraria três dias. Todas as jovens bonitas do reino seriam convidadas, pois o filho dele queria escolher entre elas aquela que seria sua futura esposa. Quando souberam que também deveriam comparecer, as duas filhas da madrasta ficaram contentíssimas.
- Cinderela! - Gritaram. - Venha pentear nosso cabelo, escovar nossos sapatos e nos ajudar a vestir, pois vamos a uma festa no castelo do rei!
Cinderela obedeceu chorando, porque ela também queria ir ao baile. Perguntou à madrasta se poderia ir, e esta respondeu:
- Você, Cinderela! Suja e cheia de pó, está querendo ir à festa? Como vai dançar, se não tem roupa nem sapatos? Mas Cinderela insistiu tanto, que afinal ela disse:
- Está bem. Eu despejei nas cinzas do fogão um tacho cheio de lentilhas. Se você conseguir catá-las todas em duas horas, poderá ir. A jovem saiu pela porta dos fundos, correu para o quintal e chamou:
- Mansas pombinhas e rolinhas! Passarinhos do céu inteiro! Venham me ajudar a catar lentilhas! As boas vão para o tacho! As ruins para o seu papo! Logo entraram pela janela da cozinha duas pombas brancas; a seguir, vieram as rolinhas e, por último, todos os passarinhos do céu chegaram numa revoada e pousaram nas cinzas. As pombas abaixavam a cabecinha e pic, pic, pic, apanhavam os grãos bons e deixavam cair no tacho. As outras avezinhas faziam o mesmo. Não levou nem uma hora, o tacho ficou cheio e as aves todas voaram para fora. Cheia de alegria, a menina pegou o tacho e levou para a madrasta, certa de que agora poderia ir à festa. Porém a madrasta disse:
- Não, Cinderela. Você não tem roupa e não sabe dançar. Só serviria de caçoada para os outros.
Como a menina começou a chorar, ela propôs:
- Se você conseguir catar dois tachos de lentilhas nas cinzas em uma hora, poderá ir conosco. Enquanto isso, pensou consigo mesma: "Isso ela não vai conseguir..." Assim que a madrasta acabou de espalhar os grãos nas cinzas, Cinderela correu para o quintal e chamou:
- Mansas pombinhas e rolinhas! Passarinhos do céu inteiro! Venham me ajudar a catar lentilhas! As boas vão para o tacho! As ruins para o seu papo! E entraram pela janela da cozinha duas pombas brancas; a seguir vieram as rolinhas e, por último, todos os passarinhos do céu chegaram numa revoada e pousaram nas cinzas. As pombas abaixavam a cabecinha e pic, pic, pic, apanhavam os grãos bons e
deixavam cair no tacho. Os outros pássaros faziam o mesmo. Não passou nem meia hora, e os dois tachos ficaram cheios. As aves se foram voando pela janela. Então, a menina levou os dois tachos para a madrasta, certa de que, desta vez, poderia ir à festa. Porém, a madrasta disse:
- Não adianta, Cinderela! Você não vai ao baile! Não tem vestido, não sabe dançar e só nos faria passar vergonha! E, dando-lhe as costas, partiu com suas orgulhosas filhas. Quando ficou sozinha, Cinderela foi ao túmulo da mãe e embaixo da aveleira, disse:
- Balance e se agite, árvore adorada, cubra-me toda de ouro e prata! Então o pássaro branco jogou para ela um vestido de ouro e prata e sapatos de seda bordada de prata. Cinderela se vestiu, a toda pressa, e foi para a festa. Estava tão linda, no seu vestido dourado, que nem as irmãs, nem a madrasta a reconheceram. Pensaram que fosse uma princesa estrangeira - para elas, Cinderela só poderia estar em casa, catando lentilhas nas cinzas. Logo que a viu, o príncipe veio a seu encontro e, pegando-lhe a mão, levou-a para dançar. Só dançou com ela, sem largar de sua mão por um instante. Quando alguém a convidava para dançar, ele dizia:
- Ela é minha dama. Dançaram até altas horas da noite e, afinal, Cinderela quis voltar para casa.
- Eu a acompanho - disse o príncipe. Na verdade, ele queria saber a que família ela pertencia. Mas Cinderela conseguiu escapar dele, correu para casa e se escondeu no pombal. O príncipe esperou o pai dela chegar e contou-lhe que a jovem desconhecida tinha saltado para dentro do pombal. "Deve ser Cinderela...", pensou o pai. E mandou vir um machado para arrombar a porta do pombal. Mas não havia ninguém lá dentro. Quando chegaram em casa, encontraram Cinderela com suas roupas sujas, dormindo nas cinzas, à luz mortiça de uma lamparina. A verdade é que, assim que entrou no pombal, a menina saiu pelo lado de trás e correu para a aveleira. Ali, rapidamente tirou seu belo vestido e deixou-o sobre o túmulo. Veio o passarinho, apanhou o vestido e levou-o. Ela vestiu novamente seu vestidinho velho e sujo, correu para casa e se deitou nas cinzas da cozinha. No dia seguinte, o segundo dia da festa, quando os pais e as irmãs partiram para o castelo, Cinderela foi até a aveleira e disse:
- Balance e se agite, árvore adorada, cubra-me toda de ouro e prata! E o pássaro atirou para ela um vestido ainda mais bonito que o da véspera. Quando ela entrou no salão assim vestida, todos ficaram pasmados com sua beleza. O príncipe, que a esperava, tomou-lhe a mão e só dançou com ela. Quando alguém convidava a jovem para dançar, ele dizia:
- Ela é minha dama. Já era noite avançada quando Cinderela quis ir embora. O príncipe seguiu-a, para ver em que casa entraria. A jovem seguiu seu caminho e, inesperadamente, entrou no quintal atrás da casa. Ágil como um esquilo, subiu pela galharia de uma frondosa pereira carregada de frutos que havia ali. O príncipe não conseguiu descobri-la e, quando viu o pai dela chegar, disse:
- A moça desconhecida escondeu-se nessa pereira. "Deve ser Cinderela", pensou o pai. Mandou buscar um machado e derrubou a pereira. Mas não encontraram ninguém na galharia. Como na véspera, Cinderela já estava na cozinha dormindo nas cinzas, pois havia escorregado pelo outro lado da pereira, correra para a aveleira, e devolvera o lindo vestido ao pássaro. Depois, vestiu o feio vestidinho de sempre, e correu para casa. No terceiro dia, assim que os pais e as irmãs saíram para a festa, Cinderela foi até o túmulo da mãe e pediu à aveleira:
- Balance e se agite, árvore adorada, cubra-me toda de ouro e prata! E o pássaro atirou-lhe o vestido mais suntuoso e brilhante jamais visto, acompanhado de um par de sapatinhos de puro ouro. Ela estava tão linda, tão linda, que, quando chegou ao castelo, todos emudeceram de assombro. O príncipe só dançou com ela e, como das outras vezes, dizia a todos que vinham tirá-la para dançar:
- Ela é minha dama. Já era noite alta, quando Cinderela quis voltar para casa. O príncipe tentou segui-la, mas ela escapuliu tão depressa, que ele não pode alcançá-la. Dessa vez, porém, o príncipe usara um estratagema: untou com piche um degrau da escada e, quando a moça passou, o sapato do pé esquerdo ficou grudado. Ela deixou-o ali e continuou correndo. O príncipe pegou o sapatinho: era pequenino, gracioso e todo de ouro. No outro dia, de manhã, ele procurou o pai e disse:
- Só me casarei com a dona do pé que couber neste sapato. As irmãs de Cinderela ficaram felizes e esperançosas quando souberam disso, pois tinham pés delicados e bonitos. Quando o príncipe chegou à casa delas, a mais velha foi para o quarto acompanhada da mãe e experimentou o sapato. Mas, por mais que se esforçasse, não conseguia meter dentro dele o dedo grande do pé. Então, a mãe deu-lhe uma faca, dizendo:
- Corte fora o dedo. Quando você for rainha, vai andar muito pouco a pé. Assim fez a moça. O pé entrou no sapato e, disfarçando a dor, ela foi ao encontro do príncipe. Ele recebeu-a como sua noiva e levou-a na garupa do seu cavalo. Quando passavam pelo túmulo da mãe de Cinderela, que ficava bem no caminho, duas pombas pousaram na aveleira e cantaram:
- Olhe para trás! Olhe para trás! Há sangue no sapato, que é pequeno demais! Não é a noiva certa que vai sentada atrás! O príncipe virou-se, olhou o pé da moça e logo viu o sangue escorrendo do sapato. Fez o cavalo voltar e levou-a para a casa dela. Chegando lá, ordenou à outra filha da madrasta que calçasse o sapato. Ela foi para o quarto e calçou-o. Os dedos do pé entraram facilmente, mas o calcanhar era grande demais e ficou de fora. Então, a mãe deu-lhe uma faca dizendo:
- Corte fora um pedaço do calcanhar. Quando você for rainha, vai andar muito pouco a pé. Assim fez a moça. O pé entrou no sapato e, disfarçando a dor, ela foi ao encontro do príncipe. Ele aceitou-a como sua noiva e levou-a na garupa do seu cavalo. Quando passavam pela aveleira, duas pombinhas pousaram num dos ramos e cantaram:
- Olhe para trás! Olhe para trás! Há sangue no sapato, que é pequeno demais! Não é a noiva certa que vai sentada atrás! O príncipe olhou o pé da moça, viu o sangue escorrendo e a meia branca, vermelha de sangue. Então virou seu cavalo, levou a falsa noiva de volta para casa e disse ao pai:
- Esta também não é a verdadeira noiva. Vocês não têm outra filha?
- Não - respondeu o pai - a não ser a pequena Cinderela, filha de minha falecida esposa. Mas é impossível que seja ela a noiva que procura. O príncipe ordenou que fossem buscá-la.
- Oh, não! Ela está sempre muito suja! Seria uma afronta trazê-la a vossa presença! - protestou a madrasta. Porém o príncipe insistiu, exigindo que ela fosse chamada. Depois de lavar o rosto e as mãos ela veio, curvou-se diante do príncipe e pegou o sapato de ouro que ele lhe estendeu. Sentou-se num banquinho, tirou do pé o pesado tamanco e calçou o sapato, que lhe serviu como uma luva. Quando ela se levantou, o príncipe viu seu rosto e reconheceu logo a linda jovem com quem havia dançado.
- É esta a noiva verdadeira! - exclamou, feliz. A madrasta e as filhas levaram um susto e ficaram brancas de raiva. O príncipe ergueu Cinderela, colocou-a na garupa do seu cavalo e partiram. Quando passaram pela aveleira, as duas pombinhas brancas cantaram:
- Olhe pare trás! Olhe pare trás! Não há sangue no sapato, que serviu bem demais! Essa é a noiva certa. Pode ir em paz! E, quando acabaram de cantar, elasvoaram e foram pousar, uma no ombro direito de Cinderela, outra no esquerdo; ali ficaram. Quando o casamento de Cinderela com o príncipe se realizou, as falsas irmãs foram à festa. A mais velha ficou à direita do altar, e a mais nova, à esquerda. Subitamente, sem que ninguém pudesse impedir, a pomba pousada no ombro direito da noiva voou para cima da irmã mais velha e furou-lhe os olhos. A pomba do ombro esquerdo fez o mesmo com a mais nova, e ambas ficaram cegas para o resto de suas vidas.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Em Sono Profundo

Essa semana foi em  busca de referências. Estamos criando nossa cena da Bela Adormecida. Vimos alguns filmes que tratam do tema. Fizemos uma listinha quem puder assista.Todos valem à pena. Alguns são mais pesados que outros, mas é pra isso que a arte existe. Para que nos desperte sentimentos.
  • Fale com Ela (Hable con Ella) 
  • Dogville (Dogville) 
  • Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness) 
  • Irreversível (Irreversible) 
  • Meninos não Choram (Boys Don’t Cry) 
  • Não Se Mova


terça-feira, 13 de outubro de 2009

Cinderela, fique mais um pouco


Cinderella Stay Awhile
Michael Jackson
[VERSE 1]
Cinderella, stay awhile
You're the one
That I've been lookin' for
Cinderella, when you smile
All around me sunbeams
Start to fall

Midnight is so near
Please don't disappear
Now that you are here
Stay awhile

[VERSE 2]
Cinderella, I just know
That the magic slipper's
Gonna to fit
Cinderella, do not go
You're my princess
I am sure of it

This is love for sure
Love that's sweet and pure
Love that will endure
Stay awhile

[BRIDGE]
When you speak the angels all sing
This is the kind of magic you bring, oh

[VERSE 3]
Cinderella, stay awhile
This is like a fairytale with you
Cinderella, when you smile
All my fairytales are coming true

Well my only fear
Is midnight is so near
Please don't disappear
Stay awhile, oh

(Fairytales, make-believe and you)
(Fairytales, make-believe and you)

Cinderella, stay awhile
Don't you go
Oh
Tradução

Cinderela, fique mais um pouco
Você é a que eu estava procurando
Cinderela, quando você sorri
A minha volta, raios de sol começam a cair


Meia noite está chegando
Por favor, não desapareça
Agora que você está aqui
Fique mais um pouco

Cinderela, eu só sei
Que o sapato mágico vai servir
Cinderela, não se vá
Você é minha princesa, estou certo disso


Isso é amor sem dúvida
Amor que é doce e puro
Amor que vai durar
Fique mais um pouco


Quando você fala, os anjos cantam
É esse tipo de magia que você traz


Cinderela, fique mais um pouco
Isso é igual um conto de fadas em você
Cinderela, quando você sorri
Todos meus contos de fadas tornam-se realidade


Meu único medo
É que meia noite está tão perto
Por favor, não desapareça
Fique mais um pouco



(Conto de fadas, faz de conta e você)
(Conto de fadas, faz de conta e você)

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Você quiz dizer ...

Boa Noite.
Willian Bonner sobre Cinderela

Cinderella, stay awhile.
Michael Jackson sobre Cinderela

Não me lembro de nada das 8 horas seguintes.
Consumidor do Remédio da marca "Boa Noite Cinderela"®

Você quis dizer: LSD
Google sobre Alice no País das Maravilhas

Experimente também: Maconha
Sugestão do Google para Alice no País das Maravilhas

Melhor do que um baseado.
Bob Marley sobre Alice no País das Maravilhas

Nem se compara.
Marcelo D2 sobre Alice no País das Maravilhas

Calma Alice foi só uma bad trip!
LSD sobre alice no país das maravilhas

Já cumi!
Marlene Mattos sobre Branca de Neve

De ACRUEL

O Sabão em Pó da Pequena Sereia!

Eu tambem sou piranha.
Paris hilton sobre Ariel

Só porque ela tem rabo.
Ursinho Pohh

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Cena da Maçã da Branca de Neve

PS: Os textos aqui inseridos não farão parte da peça, são textos que surgiram no processo.


A cena é sombria. Temos medo da senhora que fala. Ela é gentil, mas horripilante. Não há ninguém em cena além dela. Ela fala voltada para a platéia, mas como se a menina estivesse na sua frente.

VELHA- Menina, você pode oferecer um copo d’água a uma velha senhora cansada? (pausa) Oh, não se assuste criança, sou apenas feia, mas não tenho um corpo que me permita te fazer mal. (pausa) Obrigada, menina. Você é muito gentil. (pausa) Linda criança, é tão bela. Sua feição carrega juntas a pureza e a força. Você pode ser ainda maior, sabia? Com seus sete aninhos de idade você já pode ser a fêmea mais desejável que existe. (pausa) Você quer os conselhos de uma mulher vivida? Aproveite-se disso, garota! Olhe para mim, um dia você vai ser assim, e aí terá que mendigar um copo d’água. Agora veja você, recebendo ajuda de gentis homens a todo o momento, todos prontos a arriscar o próprio pescoço por você. E você nem teve que se esforçar. Dê a eles o que eles querem e você verá tudo o que pode uma pequena menina como você. Mas não ceda a todos, querida, apenas conquiste-os. Você deve continuar sendo um objeto raro, o diamante que causa a guerra por ser prêmio dela. Você pode ter muito mais do que tem conseguido até agora, minha jovem. (pausa) Eu já estou velha e morrerei logo, por isso já está na hora de passar a diante minha sabedoria e minha magia. E você, você tem potencial, minha jovem. Você vai cuidar bem das minhas coisinhas. Tome! Um pente preto como seus cabelos e uma fita branca como a sua pele. Use-os para arrancar toda a energia que existe na sua alma. Lembre-se, pequena, você pode fazer mágica. Ah, eu já ia me esquecendo. Pegue esta maçã. Veja, é tão vermelha quanto as maçãs do seu rosto. Esta é a fruta do amor, querida, de hoje em diante a fruta da qual você se alimenta, e a fruta da qual você oferece.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

A fotógrafa canadense Dina Goldstein resolveu mostrar ao mundo como estariam as princesas de contos de fadas nos dias de hoje. Bem diferente do que costumamos escutar no final das histórias, elas não tiveram um final tão “feliz para sempre”.

A Pequena Sereia
Rapunzel

Jade

Cinderella

Chapeuzinho Vermelho

Branca de Neve

Bela

Bela Adormecida


sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Hoje é o seu dia, que dia mais feliz!

Emanuele Sotoski em As Ruas de Bagdá ou Aranha Marrom não usa Roberto Carlos da ACRUEL Companhia.

Hoje é aniversário da atriz e criadora cênica Emanuelle Sotoski. Ela, que está na ACRUEL desde o início, tem uma cara de brava na vida real, mas no palco sabe muito bem mostrar seu doce.

Manu, nós amamos seu trabalho e sua existência ao nosso lado. As suas amigas da ACRUEL te desejam muita criatividade, persistência, amor, prazer e felicidade!
Quantos anos ela está fazendo, é melhor perguntar pra ela... :D

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