quinta-feira, 30 de julho de 2009

Um dos testes que aplico para tal fim é um tipo de etnodrama individual no qual o ponto de partida é uma velha canção ligada à tradição religiosa-étnica da pessoa. Se começa a trabalhar com esta canção como se nessa estivesse já codificada em potencial uma totalidade em movimento, em ritmo, em tudo. É como um etnodrama no sentido tradicional coletivo, mas aqui exige uma pessoa que age, com uma canção, sozinha. Então, imediatamente, com as pessoas de hoje se apresenta o seguinte problema: se encontra alguma coisa, uma pequena estrutura em torno da canção, depois se faz ao lado uma nova versão, ao lado ainda uma terceira versão. Isto significa que se pára sempre no primeiro nível, podemos dizer superficial, da proposta, como se a proposta fresca excitasse os nervos e nos desse ilusão de alguma coisa. Isto significa que se trabalha de maneira horizontal - de lado a lado - e não de maneira vertical como alguém que escava um poço. Aqui está toda a diferença entre o diletante e o não- diletante. O diletante pode fazer uma bela coisa mais ou menos superficial através desta excitação dos nervos da primeira improvisação. Mas é sempre uma escultura na fumaça. Desaparece sempre. Então o diletante busca ao lado. De um certo modo, muitas formas de desenvolvimento industrial contemporâneo são assim, como por exemplo Sylicon Valley, o grande complexo eletrônico americano: vocês tem construções ao lado de construções, o complexo se desenvolve de maneira horizontal e no final se torna ingovernável. É muito diferente da construção das catedrais que tem sempre um ponto de conexão. É a concepção vertical que determina exatamente o valor. Mas com um etnodrama individual é uma coisa difícil de se fazer porque no trabalho que vai em profundidade e para o alto, vocês devem passar através da crise. A primeira proposta funciona, depois é preciso eliminar aquilo que não é realmente necessário e reconstruí-la de maneira mais compacta. Vocês passam através de fases de trabalho sem vitalidade - "sem vida". É um tipo de crise, de tédio. É preciso resolver muitos problemas técnicos, por exemplo a montagem como no cinema. Porque não só vocês devem reconstruir, rememorizar a primeira forma, vale dizer a linha das pequenas ações físicas, mas também eliminar os detalhes não necessários.
GROTOSKI

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Se fosse seria...

Se fosse um objeto
Se fosse um prato
Se fosse uma canção
Se fosse um personagem de ficção
Se fosse um filme
Se fosse um lugar
Se fosse um aviso
Se fosse um elemento
Se fosse um efeito
Se fosse um vegetal
Se fosse um planeta
Se fosse um advérbio de tempo
Se fosse uma estação do ano
Se fosse um animal
Se fosse um barulho
Se fosse uma cor
Se fosse um clima
Se fosse uma roupa
Se fosse uma fruta
Se fosse uma viagem
Se fosse um amor
Se fosse um remédio
Se fosse uma hora do dia
Se fosse uma mulher
Se fosse um homem
Se fosse um quadro
Se fosse um sapato
Se fosse um talher
Se fosse um veiculo
Se fosse um mês
Se fosse um metiêr
Se fosse um livro
Se fosse uma citação
Se fosse uma estampa
Se fosse uma parte do corpo
Se fosse uma dança

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Sobre o Universo

Esta caixa de vidro está em cena. Ela é um navio. Um navio que trafega entre os mais diversos jardins persas. Porque todos os jardins são o mesmo.

A narração

"O valor do conto de fadas para a criança é destruído se alguém detalha os significados. Todos os contos de fadas têm significados em muitos níveis; só a criança pode saber quais significados são importantes para ela no momento" (p. 205, BETTELHEIM, "A psicanálise dos contos de fadas").

"Não há nada que de forma mais duradoura recomende histórias à memória do que aquela casta concisão que as subtrai à análise psicológica. E quanto mais natural o modo pelo qual se dá, para o narrador, a renúncia ao matizamento psicológico, tanto maior se torna sua candidatura a um lugar na memória do ouvinte, tão mais plenamente as histórias se conformam à experiência pessoal dele, tanto maior é sua satisfação em, mais dia menos dia, voltar afinal a contá-las. Este processo de assimilação, que se desenrola em camadas profundas, precisa de um estado de descontração cada vez mais raro" (p. 62, BENJAMIN, "O Narrador").

terça-feira, 7 de julho de 2009

EXERCÍCIO DE SANTO LOYOLA

PRIMEIRO PASSO:
ver superficialmente.

SEGUNDO PASSO:
saber nomes, histórias superficiais

TERCEIRO PASSO:
saber o íntimo de cada pessoa, de cada lugar, saber pensamentos, caráter e etc.

* ler mais sobre exercício em "Seis Propostas para o Próximo Milênio" de Ítalo Calvino.

CENA III - SOBRE PARABRISAS DE CARROS

Uma pessoa que não entra, nunca entrou, está lá, sempre esteve, todos os dias, chuva. Sol. Chuva. Chuva. Pára e senta. Antes disso percebe um tapa ouvidos sobre o banco, esses em que não se escuta nada. Encaixa em seus ouvidos. Ele senta. Aumenta o volume como se o tapa ouvidos fosse um fone. Nele se escuta algo. Algo. Algo. Algo. Algo. Algo. Algo que se transforma. Algo. Aglo. Alog. Agol. Aglo. O que era antes um barulho de um relógio agora se notas minimalistas pacientemente apreciadas. Algo se transforma em canção. Algo se transforma em prosa musicada. Tudo então é música. Algo se transforma em poesia musicada. Algo. O fone, neste momento, serve como um pára-brisa.

CENA II - SOBRE O QUE NÃO VEMOS

Um peixe. Um peixe num aquário. Um aquário com vários peixes. Uma medusa talvez. Várias medusas. Um barquinho que enfeita o aquário. Um chafariz com água suja. Plantinhas. Erosão. Ruas que são correntes. Água corrente. Aquários. Era de aquário. Uma corrente. Rente ao vidro. Inerente ao verso. Submerso. Ruas que são correntes. Peixes nas ruas que são correntes. No aquário. Nadam. Um deles. Nada. Um aquário. Nada. Um aquário. Nada. Uma corrente. Nada. Uma rua. Nua. Nada. Um espaço. Nada. NADO.

CENA I - SOBRE COMEÇAR COM AS CORTINAS FECHADAS

A peça inicia com a personagem anterior, que nunca mais será visto nessa peça. O personagem que nunca mais será visto nessa peça, coloca um banco, uma cadeira talvez, com um tapa ouvidos sobre o assento, na XV de Novembro esquina a Monsenhor Celso. Latitude 47° oeste. O personagem que nunca mais será visto, sai para nunca mais voltar.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Propostas do espetáculo

  1. Criação de um espaço outro; um espaço que seja heterogêneo no sentido de que pertença a sociedade como um todo, mas que seja um lugar deslocado do espaço público por sua significação utópica e simbólica que encerra em si a representação da sociedade a qual pertence; que conte a história desta sociedade através da explicitação de seu espaço público e do que nele há de privado e íntimo; que este espaço heterogêneo seja um "lugar nenhum" dentro do espaço público, ou seja, de acessibilidade pública destinado ao isolamento.
  2. Que seja um espaço onde real e irreal se misturem a propósito de que este espaço outro formado contenha um sentimento de universalidade; fazer com que um pequeno espaço em um raio próximo se torne uma metáfora do universo.
  3. Por último, fazer deste espaço outro um sempre transitório, um lugar sem lugar, para que nenhuma verdade ou comportamento seja estabelecido. Que em cada porto que este lugar ancorar, dê características de irrealidade as realidade específicas do local, formando sempre um novo espaço outro. Que mesmo dentro de cada lugar que estiver, não estabeleça idéias fixadas sobre ele.

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