sexta-feira, 14 de maio de 2010

Matéria sobre Espaço Outro no Jornal da UFPR

Uma caixa de acrílico no meio da praça

Peça Espaço Outro transforma conceitos de plateia, placo e personagens
Reportagem Cássia Marocki, Luiza Barreto e Juliana Blume, especial para o Comunicação On-line
Edição Carolina Goetten
Juliana Blume
Juliana Blume: Odeio quando meu cadarço desamarra. Odeio mais que tudo nessa vida. Mas foi o desamarrar desse dispositivo de segurança que interrompeu a nossa caminhada apressada para a Rui Barbosa e nos permitiu olhar melhor o que estava acontecendo à nossa volta. Alguém por ali chamou atenção para uma estrutura parecida com uma estufa: “Que escultura é aquela?”. Olhei para o lado e já gritei uma resposta: “são atores dentro da caixa! Vai ver eles tão olhando a gente olhando pra eles! Vai ver é uma jaula de zoológico humano!”
Cássia Marocki: Era perto das cinco da tarde e a praça Santos Andrade estava movimentada, embora não mais do que o normal, quando vi duas pessoas inteiramente vestidas de vermelho: um homem que empurrava uma mulher dentro de um carrinho de supermercado. Assim que passamos por eles, olhei em volta tentando descobrir se eles faziam parte de alguma peça de teatro. Mas, por mais que procurasse, não conseguia localizar a plateia. Nossa curiosidade jornalística nos fez parar para procurar alguém que soubesse explicar aquela maluquice, ao mesmo tempo em que mais pessoas vestidas de uma só cor apareciam por todos os lados.
Luiza Barreto: Duas garotas saíram ocorrendo de cantos opostos e se abraçaram efusivamente em frente a um homem sentado em um banco da praça Santos Andrade. As duas, em vermelho, pareciam felizes. Seria coincidência? Quando fomos averiguar do que se tratava, olhei por trás da coluna do prédio histórico da Universidade Federal do Paraná e vi que os mesmos que antes trajavam vermelho estavam, agora, vestidos de azul. "COMO?!", eu pensei - bem assim, em caps lock. Passado o susto, descobri que começava o espetáculo Espaço Outro no meio da praça.
A Santos Andrade é o palco
Na peça Espaço Outro, a estrutura de acrílico é a plateia e o palco não tem limites: engloba toda a praça, por onde os atores circulam. Árvores, fontes, estátuas e colunas são parte do cenário e, ao mesmo tempo, coxias, atrás das quais os atores se trocam. De vermelho para azul, de azul para amarelo e de amarelo para roxo, as cores das roupas vão mudando conforme a trama da peça se desenrola.
Da caixa, parte a narração da história dos personagens e a transmissão dos diálogos, por meio de caixas de som. Uma imensa rosa-dos-ventos pintada no chão ajuda a direcionar o lado a que olhar, e quem vê passa por alguns segundos de procura, tentando identificar, entre as pessoas que passam pela praça, quem é ator e quem não é. O público observa e ouve fragmentos de vida das personagens como se fosse onisciente. Emanuelle Sotoski, uma das criadoras, explica que a caixa funciona como um narrador - traçando-se uma comparação com palcos tradicionais, seria como um compartimento distante a que o espectador não tem acesso. “Ao mesmo tempo é uma vitrine: quem está dentro vê e está também sendo observado por quem passa na rua”.
A ideia foi formulada pelo grupo de teatro aCruel e surgiu do questionamento do porquê de o público ser tão afastado do teatro. Diante de um temor aparente com relação aos palcos e pelo fato de que as pessoas não vão às salas de teatro, o teatro vai até as elas. O diferencial dessa peça não é apenas o local em que se passa, mas a própria dinâmica da apresentação. O teatro não é na praça, é sobre ela; a Santos Andrade é a personagem principal.
O objetivo da mudança de ambiente é fazer com que as pessoas olhem para a cidade de outro jeito, segundo a assistente da companhia, Daiane Rafaela Domingues. Ao passar de manhã pela Santos Andrade, o estudante Lucas Capra, que mora perto da praça, viu uma equipe montando a caixa e voltou à tarde para ver a peça. “A proposta do palco negativo é muito interessante”, afirma o estudante. O espetáculo traduz com precisão o sentimento de olhar e ser olhado, observar e ser observado, e faz lembrar que cada pessoa na multidão é um ser ímpar, com dilemas próprios, alegrias, tristezas e particularidades.

Fonte: http://www.jornalcomunicacao.ufpr.br/node/8158#comment-1672

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