terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Fim de 2009



Ebaaaaa!! Temos um roteiro fechado!!! Ai que emoção! Estamos muito felizes com os resultados de até então. Este é um trabalho sem contra-indicações, uma obra para cada espectador poder chamar de sua. Um espetáculo para observar, para tomar pra si, para agir.

O roteiro construído está fechando o 2009 da ACRUEL com um laço vermelho de veludo bem bonito, que só vai ser cortado em janeiro quando retornamos com o processo criativo iniciando a fase prática.

Desejamos um belo encerramento pra você também, e uma entrada estrondosa em 2010. Te esperamos aqui no mês que vem, nos fazendo companhia nesta viagem.
Hoje, definimos o roteiro base do "Espaço Outro", o roteiro do qual partem todos os RE's (repetição, refazer, recontar, re-significar, reciclar). Nesta linha condutora, a ação é poesia. É a poesia das possibilidades, das permissões, das vivências.
Chegamos a conclusão que, definitivamente, não estamos fazendo um happining ou um mob (estes eventos que colocam no espaço público um acontecimento inusitado). Trata-se de algo que pode parecer bizarro para nós e o nosso histórico em arte: estamos fazendo um espetáculo na rua. Mas trata-se de um espetáculo contemporâneo, que dá a ver a partir de outros olhos, de uma nova poética, uma poética pop, cruel e sublime. O inusitado e o comum trabalham juntos. Movem-se. Sempre.
Durante o restante da semana, estaremos trabalhando em cima do roteiro base para REorganizá-lo segundo nosso jogo do RE. Vamos colorir.
Quer brincar também? Basta responder às questões colocadas nos posts anteriores.
Beijos!

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O que muda seu dia, seu mês ou seu ano?
O que vc gosta mas nunca faz ou gostaria de fazer mas nunca fez?
Qual nova chance você gostaria de ter ou você teve?
Quais são seus pequenos prazeres?
E suas pequenas frustrações?
Queremos saber.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A receita

Depois de uma semana de discussões e esclarecimentos, entraremos agora na criação cênica. Ela será toda baseada em uma "receita" para a composição desta obra. Esta receita envolve objetivos artísticos e estratégia de ação. Abaixo, selecionei um pouco da receita para apresentar a vocês. Aproveitem:

A caixa transparente, o espaço outro neste espetáculo, não é o local para a ação. Ela é o instrumento que dá ao público a habilidade de leitor onipotente – aquele que percebe e observa algo a mais na realidade. Os performers na rua estão inseridos no espaço real, naquele em que a vida deste leitor (que neste momento só tem a opção de ler) acontece.

A obra Espaço Outro, além de cuidar da fruição artística, possui um segredo a ser desvendado, um desafio às habilidades cognitivas do espectador. Este desafio é apenas um convite, não há a obrigação de se aceita-lo para estar inserido na obra, pode-se apenas deliciar-se com a potência das imagens.

Espaço Outro tem uma estrutura ligada a preposição “re”. A repetição acontece do início ao fim do espetáculo. A cada nova, tem-se uma espécie de nível diferente do jogo, onde é possível refazer/reviver/reciclar/re-significar as ações.
As cores auxiliam nesta re-significação, na expressão do estado interno.
Apesar do "re" ser uma volta ao passado, ele caminha para o futuro, como na idéia da contagem regressiva.

Bom, por enquanto adianto isso. Mais adiante, conversamos um pouco mais. Até!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Que tal participar do processo de criação do espetáculo Espaço Outro da ACRUEL?
Basta nos ajudar fazendo um joguinho inspirado no STOP. Escolha uma cor e cada correspondência para ela de acordo com a lista abaixo. Mais ou menos assim: se azul fosse uma parte do corpo, qual seria? Cada item deve ter apenas uma resposta.
É só colar tudo nos comentários e postar. Vamos lá?

1.Cor que você escolheu:

2.Correspondências

Nome de pessoa:
Objeto:
Fruta:
Cidade/Estado/País:
Parte do corpo:
Flor:
Carro:
Meu espaço outro:
Cheiro:
Sentimento:
Sensação:
Lembrança:
Ação:
Dança:
Música:
Pessoa:

News

A ACRUEL está desenvolvendo um site pra você poder ter acesso as informações sobre os nossos projetos de forma organizada. Em breve, ele estará online.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

News

A ACRUEL está retomando o processo criativo do Espaço Outro.
Ainda não podemos revelar questões criativas.
Mas já temos boas novidades, a data de temporada, é maio de 2010.
Em breve, mais novidades.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Espaço Outro nas ruas em 2010

Oba, oba! Sorriam! A ACRUEL Companhia tem uma ótima novidade para todos: nós fomos aprovados no edital da Funarte, o que significa que o projeto Espaço Outro será subsidiado e estará nas ruas de Curitiba em breve.

Espaço Outro é um projeto que pretende a instalação de uma caixa portátil transparente em diversos espaços públicos de Curitiba. O público assiste ao espetáculo de dentro desta construção, junto a uma narração. Lá fora, infiltrados em meio aos transeuntes, estão os atores que conduzem a ação.

Apreciem como será a caixa no desenho abaixo. Ainda no primeiro semestre de 2010, ela estará nas ruas.


quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Filme "Irmãos Grimm"

Pra quem ainda não viu, este o o filme dos Irmãos Grimm, que mistura todas as referências das histórias deles. É bem interessante!

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Celebridades no mundo das fadas

A Disney continua a fotografar celebridades como personagens de contos de fadas. Esta abaixo é a atriz Juliane Moore, que com seus belos cabelos ruivos ficou perfeita como a Pequena Sereia (clique na foto para aumentar).

O belo casal de High School Musical, Zac Efron e Vanessa Hudgens reproduzem a cena do desenho animado da Disney, A Bela Adormecida, como o Príncipe Philip e a Princesa Aurora.
Eles foram fotografados pela expert Annie Leibovitz para a edição 23 da revista da Disney.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Perrault e Capinha Vermelha


O lobo consegue entrar na casa da avó fingindo ser Capinha Vermelha e engole imediatamente a velhinha. Na história de Perrault o lobo não se disfarça de avó. Simplesmente deita-se na cama dela. Quando Capinha chega, o lobo pede-lhe que se deite com ele. Capinha Vermelha tira a roupa e entra na cama, quando então se espanta com a aparência desnuda da avó, e exclama: "Vovó, que braços enormes você tem!", ao que o lobo responde: - "São para te abraçar melhor!" - Capinha então diz: - Vovó, que pernas grandes você tem!" - e recebe como resposta: - "São para correr melhor!" - Seguem-se a este dois diálogos, (que não ocorrem na versão dos Irmãos Grimm), perguntas bem conhecidas sobre os olhos, orelhas e dentes grandes da Avó".

Quando Perrault publicou sua coleção de contos de fadas em 1697, Capinha Vermelha já era uma história antiga, com elementos que remontavam a tempos atrás. Existe o mito de Cronos onde ele engole os filhos que de modo miraculosoconseguem sair de seu estômago, e no lugar deles colocam pedras pesadas. Há uma história Latina, de 1023 (de Egberto de Lièges, chamada Fecunda ratis), na qual uma menininha é descoberta na companhia dos lobos; a menina usa uma manta vermelha, de grande importância para ela, e os estudiosos dizem que esta manta era um capuz vermelho. Aqui, então, seis séculos ou mais antes da estória de Perrault, encontramos alguns elementos básicos de Capinha Vermelha: uma menina com um capuz vermelho, a companhia dos lobos, uma criança sendo devorada viva que retorna incólume, e uma pedra colocada no lugar da criança.

Há outras versões de Capinha Vermelha, mas não sabemos qual delas influenciou Perrault na sua narrativa. Em algumas o lobo faz Capinha Vermelha comer a carne da avó e beber seu sangue, apesar de vozes advertirem-na do contrário.
(p. 204)

BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Pelo buraco da fechadura

Querem saber um pouco sobre como anda o processo do espetáculo "É uma vez e para sempre"? Vai aqui uma ou duas olhadas rápidas pelo buraco da fechadura:

A ACRUEL já tem o projeto base dos figurinos para o espetáculo.
Teremos em cena um falso mundo de cristal, um cristal plastificado e pop.
Os figurinos serão desenhados pelas talentosas artistas Fabianna Pescara e Renata Skrobot.

O roteiro foi escrito aos moldes do cinema: sentadas em uma mesa, tomando café, conversando, criando e escrevendo. Toda a sua base está fechada. Ele mistura leveza e comicidade às tragédias naturais dos contos de fadas. Não revela de modo óbvio como são as histórias originais (quem anda acompanhando o blog já conhece tudo isso), mas se baseia inteiramente nestas versões revelando seus lados muito mais cruéis e grotescos em relação as versões infantis.

Agora, iremos entrar em fase de criação em sala de ensaio. A partir daqui, novos colaboradores começam a participar do processo. Serão diferentes pessoas, já que a peça pretende atingir uma ampla gama de gostos.

Estamos em em trânsito de fechar os locais das temporadas (sim, já tem mais de uma em vista). Teremos novidades até o fim do mês.


Por enquanto é só. Mas continue acompanhando e sabendo mais.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O Sublime segundo Kant

"Se, porém, denominamos algo não somente grande, mas simplesmente, absolutamente e em todos os sentidos (acima de toda a comparação) grande, isto é, sublime, então se tem a imediata perspiciência que não permitimos procurar para o mesmo nenhum padrão de medida que adequado a fora dele, mas simplesmente nele. Trata-se de uma grandeza que é igual simplesmente a si mesma. [...] A definição acima também pode ser expressa assim: sublime é aquilo em comparação com o qual tudo o mais é pequeno".

KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

O Grotesco segundo Bakhtin

"Quando se degrada, amortalha-se e semeia-se simultaneamente, mata-se e dá-se a vida em seguida, mais e melhor. Degradar significa entrar em comunhão com a vida da parte inferior do corpo, a do ventre e dos órgãos genitais, e portanto com atos como o coito, a concepção, a gravidez, o parto, a absorção de alimentos e a satisfação das necessidades naturais. A degradação cava o túmulo corporal para dar lugar a um novo nascimento. E por isso não tem somente um valor destrutivo, negativo, mas também um positivo, regenerador: é ambivalente, ao mesmo tempo negação e afirmação. [...] o baixo é sempre o começo".

BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. A cultura na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1999.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A MENINA QUE TINHA UMA MOSCA COMO ANIMAL DE ESTIMAÇÃO

O texto de hoje não é um conto de fadas, mas é um conto realmente interessante que integra o livro "As Boas Mulheres da China". Faz parte da nossa pesquisa sobre a Bela Adormecida e trata do abuso sexual dentro da família. Vale a pena ler.

"querida yulong,
você vai bem? desculpe por não ter escrito antes. não há motivo para isso, é só que tenho muito a dizer e não sei por onde começar.
já é tarde demais para lhe implorar que me perdoe o erro terrível e irreversível mas eu ainda quero lhe dizer: querida yulong, eu sinto muito!
você fez duas perguntas na sua carta: ' por que você não quer ver o seu pai' e 'o que a fez pensar em desenhar uma mosca e por que a fez tão bonita':
querida yulong, estas são duas perguntas muito, muito dolorosas para mim, mas vou tentar responder.

qual é a menina que não ama seu pai? um pai é a grande árvore abrigando a família, as vigas que sustentam uma casa, o guardião de sua mulher e de seus filhos. mas não amo meu pai - eu o odeio. na véspera de ano-novo do ano em que fiz onze anos, levantei bem cedo e, inexplicavelmente, estava sangrando. fiquei tão assustada que me pus a chorar. a minha mãe, que veio ter comigo quando me ouviu, disse: 'hongxue, você cresceu': ninguém, nem mesmo ela, tinha me falado sobre coisas de mulheres antes. na escola, ninguém ousava fazer essas perguntas ultrajantes. naquele dia, mamãe me deu uns conselhos básicos sobre como lidar com o meu sangramento, mas não explicou mais nada. fiquei entusiasmada: tinha me tornado mulher! saí correndo pelo quintal, pulando e dançando durante três horas. até esqueci o almoço. um dia, em fevereiro, estava nevando muito e mamãe tinha saído para visitar uma vizinha. meu pai tinha vindo da base militar, para uma das suas raras visitas. ele me disse: 'sua mãe diz que você cresceu. vamos, tire a roupa para o papai ver se é verdade': eu não sabia o ele que queria ver, e estava muito frio - eu não queria tirar a roupa.

'rápido! o papai ajuda!' disse ele, tirando-me a roupa com destreza. ele, que normalmente tinha os movimentos lentos, estava totalmente diferente. começou a passar as mãos pelo meu corpo inteiro, perguntando o tempo todo: 'esses mamilozinhos já incharam? é daqui que o sangue vem? esses lábios querem beijar o papai? é gostoso quando o papai passa a mão aqui, assim?'

eu me sentia morta de vergonha. pelo que me lembrava, nunca tinha estado nua na frente de ninguém, exceto nos banhos públicos separados. meu pai notou que eu estava tremendo. disse-me que não tivesse medo e me preveniu para não contar nada à mamãe: 'sua mãe jamais gostou de você' disse. 'se ela descobrir que eu amo você tanto assim, vai querer saber ainda menos de você'.

essa foi a minha primeira 'experiência de mulher': depois, tive uma náusea muito forte. a partir de então, bastava que minha mãe não estivesse na sala - ainda que estivesse só na cozinha, cozinhando, ou no banheiro - para que meu pai me prensasse atrás da porta e me alisasse inteira. fui ficando com medo cada vez maior desse 'amor'.

mais tarde ele foi transferido para outra base militar. minha mãe não podia ir junto por causa do emprego dela. e disse que tinha se esgotado criando a mim e a meu irmão e que queria que meu pai cumprisse suas responsabilidades por um tempo. assim, levou-nos para morar com ele. eu tinha caído na toca do lobo.

a partir do dia em que minha mãe foi embora, toda tarde meu pai se enfiava na minha cama enquanto eu descansava. ocupávamos um aposento num dormitório coletivo e ele usava a desculpa de que meu irmãozinho não gostava de cochilar à tarde para trancar a porta e deixá-lo do lado de fora. nos primeiros dias, só passava a mão pelo meu corpo. depois começou a forçar a língua na minha boca. aí começou a me cutucar com a coisa dura na parte inferior do seu corpo. vinha para a minha cama, já sem ligar se era dia ou se era noite. usava as mãos para me abrir as pernas e me molestar. até enfiava os dedos dentro de mim.

naquela altura tinha parado de fingir que era 'amor paterno': ameaçava-me, dizendo que, se eu contasse para alguém, seria criticada em público e teria que desfilar pelas ruas com palha na cabeça, porque já era o que chamavam de 'sapato usado': meu corpo, que ganhava formas rapidamente, o deixava cada vez mais excitado, enquanto eu me sentia mais e mais aterrorizada. pus um cadeado na porta do quarto, mas ele não se importava em acordar os vizinhos e batia até que eu abrisse. às vezes enganava outras pessoas no dormitório e elas ajudavam a forçar a minha porta, ou então dizia que precisava entrar pela janela para pegar alguma coisa porque eu tinha o sono muito pesado. outras vezes era o meu irmão quem o ajudava, sem saber o que fazia. assim, trancasse eu a porta ou não, ele entrava no meu quarto, em plena vista de todos.

quando ouvia as batidas eu com frequência ficava paralisada de medo e me enrascava tremendo embaixo do acolchoado. os vizinhos me diziam: 'você estava dormindo como uma morta. o coitado do seu pai teve que entrar pela janela para pegar as coisas dele!': eu não ousava dormir no meu quarto, não ousava ficar sozinha de maneira alguma. meu pai percebeu que eu estava sempre encontrando pretextos para sair e criou a regra de que eu tinha que estar de volta na hora do almoço, todo dia. mas era comum eu adormecer antes mesmo de terminar de comer: ele estava pondo remédio para dormir na minha comida.

eu não tinha como me proteger.

muitas vezes pensei em me matar, mas não tive coragem de abandonar o meu irmãozinho, que não teria ninguém a quem se voltar. comecei a ficar cada vez mais magra, até que adoeci gravemente. na primeira vez em que fui internada no hospital militar, a enfermeira de plantão disse ao médico, dr. zhong, que eu tinha o sono muito perturbado. acordada assustada ao mais leve ruído. o dr. zhong, que nao conhecia os fatos, disse que era por causa da minha febre alta.

mas, mesmo enquanto eu estava assim doente, meu pai vinha ao hospital e se aproveitava de mim, que estava com o tubo na veia e sem poder me mexer. uma vez, quando ouvi entrando no meu quarto, comecei a gritar descontroladamente, mas meu pai simplesmente disse à enfermeira - que viera correndo - que eu tinha muito mau gênio. naquela primeira vez só passei duas semanas no hospital. quando voltei para a casa, encontrei meu irmão com um machucado na cabeça e manchas de sangue no casaco.

contou que papai estivera de péssimo humor enquanto estive no hospital e o surrava ao menor pretexto. naquele dia o animal doentio que era o meu pai apertou-se enlouquecido contra o meu corpo, ainda desesperadamente frágil e fraco, sussurando que tinha morrido de saudade de mim! não pude conter o choro. aquele era o meu pai? tinha tido filhos só para satisfazer seus desejos animalescos? dera-me a vida pra quê?

minha experiência no hospital tinha me mostrado um jeito de continuar vivendo. injeções, comprimidos e exames de sangue eram preferíveis a viver com meu pai. assim, comecei a me ferir repetidamente. no inverno, encharcava-me de água fria e saía para o gelo e a neve. no outono, comia comida estragada. uma vez, em desespero, prendi o braço embaixo de um pedaço de ferro que estava caindo, para cortar a mão esquerda na altura do pulso. (não fosse por um pedaço de madeira macia embaixo, eu certamente teria perdido a mão). nessa ocasião, ganhei sessenta noites inteiras de segurança. entre ferimentos que eu mesma me causava e os remédios, fui ficando aflitivamente magra.

mais de dois anos mais tarde, minha mãe conseguiu uma transferência no emprego e veio morar conosco. a sua chegada não afetou o desejo obsceno que meu pai sentia por mim. disse que o corpo dela estava velho e murcho e que eu era a concubina dele. minha mãe não parecia notar a situação, até que um dia, no final de fevereiro, quando meu pai estava me batendo porque eu não tinha lhe levado alguma coisa que ele queria, gritei com ele pela primeira vez na vida, dividida entre a mágoa e a raiva: 'o que você é? bate em qualquer um quando tem vontade, molesta qualquer um quando quer!':

minha mãe, que assistia à cena, perguntou o que eu queria dizer com aquilo. assim que eu abri a boca, meu pai, encarando-me furioso, 'não diga absurdos!': eu não aguentava mais e contei a verdade a minha mãe. vi que ela ficou tremendamente perturbada. mas, poucas horas depois, a minha 'sensata' mãe me disse: 'pela segurança da família toda, você vai ter que suportar isso. caso contrário, o que é que nós todos vamos fazer?'

minhas esperanças foram completamente destruídas. minha própria mãe me dizia que tolerasse os abusos do meu pai, marido dela. onde estava a justiça disso? naquela noite minha temperatura chegou a quarenta graus. fui novamente trazida para o hospital, onde continuo até agora. simplesmente desmaiei, porque tinha tido um colapso cardíaco. não tenho intenção nenhuma de voltar para aquele suposto lar.

querida yulong, é por isso que não quero ver meu pai. que espécie de pai é ele? não digo nada por causa do meu irmãozinho e de minha mãe (ainda que ela não goste de mim). sem mim, eles ainda são uma família como antes. por que foi que desenhei uma mosca e por que a fiz tão bonita?

porque anseio por uma mãe e um pai de verdade, uma família de verdade, onde eu possa ser uma criança e chorar nos braços dos meus pais; onde eu possa dormir em segurança na minha cama, em casa; onde mãos carinhosas me afaguem a cabeça para me consolar depois de um pesadelo. desde a infância mais tenra nunca tive esse amor. esperei e ansiei por ele, mas nunca o tive, e agora jamais o terei, pois só se tem uma mãe e um pai.

uma mosquinha me mostrou um dia o toque de mãos carinhosas. querida yulong, não sei o que vou fazer depois disso. talvez eu a procure para ajudá-la de alguma forma. posso fazer muitas coisas e não tenho medo de dificuldades, desde que possa dormir em paz. você se importa se eu for? escreva e diga, por favor! eu gostaria mesmo de saber como você vai. continua praticando seu russo? você tem remédios? o inverno está chegando de novo, você precisa se cuidar bem.

espero que me dê oportunidade de remediar o mal que causei e fazer alguma coisa por você. não tenho família, mas espero poder ser uma irmã mais nova para você.

desejo-lhe felicidade e boa saúde!
sinto saudade de você.
hongxue, 23 de agosto de 1975.

esta carta me abalou profundamente, e encontrei dificuldade em me controlar durante a transmissão daquela noite. muitos ouvintes escreveram depois, perguntando se eu estava doente. terminado o programa, telefonei para a uma amiga pedindo para que fosse à minha casa para ver se estava tudo em ordem com o meu filho e a babá. depois, sentei no meu escritório vazio e pus em ordem os pedaços de papel. foi assim que li o diário de hongxue.

(...)


21 de abril - chuva leve
resolvi que vou ter um filhote de mosca como animal de estimação.

(...)


11 de junho - ?
só agora parei de chorar. ninguém sabia por que eu estava chorando. os médicos, os enfermeiros e outros pacientes pensaram que eu estivesse com medo de morrer. a velha mãe wang diz que 'a vida e a morte estão separadas por um fio'. acho que ela deve ter razão. a morte deve ser como o sono; gosto de dormir e de estar longe deste mundo. além disso, se eu morresse, não teria que temer que me mandem para a casa. tenho só dezessete anos, mas acho que é uma boa idade para morrer. serei jovem para sempre e jamais ficarei velha como a velha mãe wang, que tem o rosto todo marcado de rugas.

eu estava chorando porque o meu filhote de mosca morreu. anteontem à noite, só escrevi algumas linhas em meu diário e tive que parar porque me senti muito tonta. levantei para ir ao banheiro e, na volta, bem quando estava prestes a me deitar de novo, vi um par de olhos demoníacos na cabeceira da cama, cravados em mim. fiquei com tanto medo que gritei e desmaiei.

o dr. liu disse que delirei pela metade de um dia, gritando o tempo todo sobre moscas, demônios e olhos. a velha mãe wang disse aos outros pacientes que eu estava possuída por um mau espírito mas a enfermeira-chefe mandou-a parar de dizer bobagem.

(...)

27 de agosto - chuviscando
(...) acho que o ferimento do meu braço está levemente infeccionado. virou um grande caroço vermelhoe e está muito desconfortável escrever. mas eu disse à enfermeira que trocou o curativo que estava tudo bem e que não precisava mais passar pomada. para minha surpresa, ela acreditou! as mangas compridas do pijama do hospital cobrem os meus braços completamente. espero que dê certo.

'moscas são grandes portadoras de doenças'. as palavras da dra. yu me deram uma idéia, que decidi experimentar. não me importo com as consequências. até a morte é melhor do que voltar para a casa. vou esmagar a mosca grande em cima do corte no meu braço.

(...)
hongxue morreu de septicemia. na caixa de papéis havia um certificado de óbito, datado de 11 de setembro de 1975. (...) ao ser informado do suicídio da filha, o pai de hongxue sentira remorso? será que a mãe, que tratou a filha como um objeto a ser sacrificado, algum dia descobriu em si mesma um pouco de natureza materna? eu não sabia das respostas a estas perguntas. não sabia quantas meninas molestadas sexualmente estavam chorando entre os milhares de almas que dormiam na cidade naquela manhã."


"A MENINA QUE TINHA UMA MOSCA COMO ANIMAL DE ESTIMAÇÃO - Xinran - AS BOAS MULHERES DA CHINA"

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Cinderela segundo os Irmãos Grimm


Para aproveitar o fim de semana estamos inaugurando nossa nova coluna : Versões, cada um faz do seu jeito. Para está estreia escolhemos Cinderella o conto de fadas mais conhecido. Sabe-se sua versão mais antiga é de uma história contada na China, onde os pés pequenos eram considerados um sinal de beleza. A versão do francês Charles Perrault, de 1697, é que tem fada madrinha, carruagem-abóbora, e o sapatinho de cristal. Nas versões anteriores, transmitidas oralmente, Cinderela recebe a ajuda de sua mãe, cujo espírito se materializa sob forma de peixe, vaca ou árvore. Ao criar a fada madrinha Perrault acrescentou um toque mais poético a essa tradição. Na versão dos Irmãos Grimm, Cinderela não tem fada-madrinha. O texto é assim contado:
Há muito tempo, aconteceu que a esposa de um rico comerciante adoeceu gravemente e, sentindo seu fim se aproximar, chamou sua única filha e disse:
- Querida filha, continue piedosa e boa menina que Deus a protegerá sempre. Lá do céu olharei por você, e estarei sempre a seu lado - mal acabou de dizer isso,fechou os olhos e morreu. A jovem ia todos os dias visitar o túmulo da mãe,sempre chorando muito. Veio o inverno, e a neve cobriu o túmulo com seu alvo manto. Chegou a primavera, e o sol derreteu a neve. Foi então que o viúvo resolveu se casar outra vez. A nova esposa trouxe suas duas filhas, ambas louras e bonitas - mas só exteriormente. As duas tinham a alma feia e cruel. A partir desse momento, dias difíceis começaram para a pobre enteada.
- Essa imbecil não vai ficar no quarto conosco! - Reclamaram as moças. - O lugar dela é na cozinha! Se quiser comer pão, que trabalhe! Tiraram-lhe o vestido bonito que ela usava, obrigaram-na a vestir outro, velho e desbotado, e a calçar tamancos.
- Vejam só como está toda enfeitada, a orgulhosa princesinha de antes!
- Disseram a rir, levando-a para a cozinha. A partir de então, ela foi obrigada a trabalhar, da manhã à noite, nos serviços mais pesados. Era obrigada a se levantar de madrugada, para ir buscar água e acender o fogo. Só ela cozinhava e lavava para todos. Como se tudo isso não bastasse, as irmãs caçoavam dela e a humilhavam. Espalhavam lentilhas e feijões nas cinzas do fogão e obrigavam-na a catar um a um. À noite, exausta de tanto trabalhar, a jovem não tinha onde dormir e era obrigada a se deitar nas cinzas do fogão. E, como andasse sempre suja e cheia de cinza, só a chamavam de Cinderela. Uma vez, o pai resolveu ir a uma feira. Antes de sair, perguntou às enteadas o que desejavam que ele trouxesse.
- Vestidos bonitos - disse uma.
- Pérolas e pedras preciosas - disse a outra.
- E você, Cinderela, o que vai querer? - perguntou o pai.
- No caminho de volta, pai, quebre o primeiro ramo que bater no seu chapéu e traga-o para mim. Ele partiu para a feira, comprou vestidos bonitos para uma das enteadas, pérolas e pedras preciosas para a outra e, de volta para casa, quando cavalgava por um bosque, um ramo de aveleira bateu no seu chapéu. Ele quebrou o ramo e levou-o. Chegando em casa, deu às enteadas o que haviam pedido e à Cinderela, o ramo de aveleira. Ela agradeceu, levou o ramo para o túmulo da mãe, plantou-o ali, e chorou tanto que suas lágrimas regaram o ramo. Ele cresceu e se tornou uma aveleira linda. Três vezes, todos os dias, a menina ia chorar e rezar embaixo dela. Sempre que a via chegar, um passarinho branco voava para a árvore e, se a ouvia pedir baixinho alguma coisa, jogava-lhe o que ela havia pedido. Um dia, o rei mandou anunciar uma festa, que duraria três dias. Todas as jovens bonitas do reino seriam convidadas, pois o filho dele queria escolher entre elas aquela que seria sua futura esposa. Quando souberam que também deveriam comparecer, as duas filhas da madrasta ficaram contentíssimas.
- Cinderela! - Gritaram. - Venha pentear nosso cabelo, escovar nossos sapatos e nos ajudar a vestir, pois vamos a uma festa no castelo do rei!
Cinderela obedeceu chorando, porque ela também queria ir ao baile. Perguntou à madrasta se poderia ir, e esta respondeu:
- Você, Cinderela! Suja e cheia de pó, está querendo ir à festa? Como vai dançar, se não tem roupa nem sapatos? Mas Cinderela insistiu tanto, que afinal ela disse:
- Está bem. Eu despejei nas cinzas do fogão um tacho cheio de lentilhas. Se você conseguir catá-las todas em duas horas, poderá ir. A jovem saiu pela porta dos fundos, correu para o quintal e chamou:
- Mansas pombinhas e rolinhas! Passarinhos do céu inteiro! Venham me ajudar a catar lentilhas! As boas vão para o tacho! As ruins para o seu papo! Logo entraram pela janela da cozinha duas pombas brancas; a seguir, vieram as rolinhas e, por último, todos os passarinhos do céu chegaram numa revoada e pousaram nas cinzas. As pombas abaixavam a cabecinha e pic, pic, pic, apanhavam os grãos bons e deixavam cair no tacho. As outras avezinhas faziam o mesmo. Não levou nem uma hora, o tacho ficou cheio e as aves todas voaram para fora. Cheia de alegria, a menina pegou o tacho e levou para a madrasta, certa de que agora poderia ir à festa. Porém a madrasta disse:
- Não, Cinderela. Você não tem roupa e não sabe dançar. Só serviria de caçoada para os outros.
Como a menina começou a chorar, ela propôs:
- Se você conseguir catar dois tachos de lentilhas nas cinzas em uma hora, poderá ir conosco. Enquanto isso, pensou consigo mesma: "Isso ela não vai conseguir..." Assim que a madrasta acabou de espalhar os grãos nas cinzas, Cinderela correu para o quintal e chamou:
- Mansas pombinhas e rolinhas! Passarinhos do céu inteiro! Venham me ajudar a catar lentilhas! As boas vão para o tacho! As ruins para o seu papo! E entraram pela janela da cozinha duas pombas brancas; a seguir vieram as rolinhas e, por último, todos os passarinhos do céu chegaram numa revoada e pousaram nas cinzas. As pombas abaixavam a cabecinha e pic, pic, pic, apanhavam os grãos bons e
deixavam cair no tacho. Os outros pássaros faziam o mesmo. Não passou nem meia hora, e os dois tachos ficaram cheios. As aves se foram voando pela janela. Então, a menina levou os dois tachos para a madrasta, certa de que, desta vez, poderia ir à festa. Porém, a madrasta disse:
- Não adianta, Cinderela! Você não vai ao baile! Não tem vestido, não sabe dançar e só nos faria passar vergonha! E, dando-lhe as costas, partiu com suas orgulhosas filhas. Quando ficou sozinha, Cinderela foi ao túmulo da mãe e embaixo da aveleira, disse:
- Balance e se agite, árvore adorada, cubra-me toda de ouro e prata! Então o pássaro branco jogou para ela um vestido de ouro e prata e sapatos de seda bordada de prata. Cinderela se vestiu, a toda pressa, e foi para a festa. Estava tão linda, no seu vestido dourado, que nem as irmãs, nem a madrasta a reconheceram. Pensaram que fosse uma princesa estrangeira - para elas, Cinderela só poderia estar em casa, catando lentilhas nas cinzas. Logo que a viu, o príncipe veio a seu encontro e, pegando-lhe a mão, levou-a para dançar. Só dançou com ela, sem largar de sua mão por um instante. Quando alguém a convidava para dançar, ele dizia:
- Ela é minha dama. Dançaram até altas horas da noite e, afinal, Cinderela quis voltar para casa.
- Eu a acompanho - disse o príncipe. Na verdade, ele queria saber a que família ela pertencia. Mas Cinderela conseguiu escapar dele, correu para casa e se escondeu no pombal. O príncipe esperou o pai dela chegar e contou-lhe que a jovem desconhecida tinha saltado para dentro do pombal. "Deve ser Cinderela...", pensou o pai. E mandou vir um machado para arrombar a porta do pombal. Mas não havia ninguém lá dentro. Quando chegaram em casa, encontraram Cinderela com suas roupas sujas, dormindo nas cinzas, à luz mortiça de uma lamparina. A verdade é que, assim que entrou no pombal, a menina saiu pelo lado de trás e correu para a aveleira. Ali, rapidamente tirou seu belo vestido e deixou-o sobre o túmulo. Veio o passarinho, apanhou o vestido e levou-o. Ela vestiu novamente seu vestidinho velho e sujo, correu para casa e se deitou nas cinzas da cozinha. No dia seguinte, o segundo dia da festa, quando os pais e as irmãs partiram para o castelo, Cinderela foi até a aveleira e disse:
- Balance e se agite, árvore adorada, cubra-me toda de ouro e prata! E o pássaro atirou para ela um vestido ainda mais bonito que o da véspera. Quando ela entrou no salão assim vestida, todos ficaram pasmados com sua beleza. O príncipe, que a esperava, tomou-lhe a mão e só dançou com ela. Quando alguém convidava a jovem para dançar, ele dizia:
- Ela é minha dama. Já era noite avançada quando Cinderela quis ir embora. O príncipe seguiu-a, para ver em que casa entraria. A jovem seguiu seu caminho e, inesperadamente, entrou no quintal atrás da casa. Ágil como um esquilo, subiu pela galharia de uma frondosa pereira carregada de frutos que havia ali. O príncipe não conseguiu descobri-la e, quando viu o pai dela chegar, disse:
- A moça desconhecida escondeu-se nessa pereira. "Deve ser Cinderela", pensou o pai. Mandou buscar um machado e derrubou a pereira. Mas não encontraram ninguém na galharia. Como na véspera, Cinderela já estava na cozinha dormindo nas cinzas, pois havia escorregado pelo outro lado da pereira, correra para a aveleira, e devolvera o lindo vestido ao pássaro. Depois, vestiu o feio vestidinho de sempre, e correu para casa. No terceiro dia, assim que os pais e as irmãs saíram para a festa, Cinderela foi até o túmulo da mãe e pediu à aveleira:
- Balance e se agite, árvore adorada, cubra-me toda de ouro e prata! E o pássaro atirou-lhe o vestido mais suntuoso e brilhante jamais visto, acompanhado de um par de sapatinhos de puro ouro. Ela estava tão linda, tão linda, que, quando chegou ao castelo, todos emudeceram de assombro. O príncipe só dançou com ela e, como das outras vezes, dizia a todos que vinham tirá-la para dançar:
- Ela é minha dama. Já era noite alta, quando Cinderela quis voltar para casa. O príncipe tentou segui-la, mas ela escapuliu tão depressa, que ele não pode alcançá-la. Dessa vez, porém, o príncipe usara um estratagema: untou com piche um degrau da escada e, quando a moça passou, o sapato do pé esquerdo ficou grudado. Ela deixou-o ali e continuou correndo. O príncipe pegou o sapatinho: era pequenino, gracioso e todo de ouro. No outro dia, de manhã, ele procurou o pai e disse:
- Só me casarei com a dona do pé que couber neste sapato. As irmãs de Cinderela ficaram felizes e esperançosas quando souberam disso, pois tinham pés delicados e bonitos. Quando o príncipe chegou à casa delas, a mais velha foi para o quarto acompanhada da mãe e experimentou o sapato. Mas, por mais que se esforçasse, não conseguia meter dentro dele o dedo grande do pé. Então, a mãe deu-lhe uma faca, dizendo:
- Corte fora o dedo. Quando você for rainha, vai andar muito pouco a pé. Assim fez a moça. O pé entrou no sapato e, disfarçando a dor, ela foi ao encontro do príncipe. Ele recebeu-a como sua noiva e levou-a na garupa do seu cavalo. Quando passavam pelo túmulo da mãe de Cinderela, que ficava bem no caminho, duas pombas pousaram na aveleira e cantaram:
- Olhe para trás! Olhe para trás! Há sangue no sapato, que é pequeno demais! Não é a noiva certa que vai sentada atrás! O príncipe virou-se, olhou o pé da moça e logo viu o sangue escorrendo do sapato. Fez o cavalo voltar e levou-a para a casa dela. Chegando lá, ordenou à outra filha da madrasta que calçasse o sapato. Ela foi para o quarto e calçou-o. Os dedos do pé entraram facilmente, mas o calcanhar era grande demais e ficou de fora. Então, a mãe deu-lhe uma faca dizendo:
- Corte fora um pedaço do calcanhar. Quando você for rainha, vai andar muito pouco a pé. Assim fez a moça. O pé entrou no sapato e, disfarçando a dor, ela foi ao encontro do príncipe. Ele aceitou-a como sua noiva e levou-a na garupa do seu cavalo. Quando passavam pela aveleira, duas pombinhas pousaram num dos ramos e cantaram:
- Olhe para trás! Olhe para trás! Há sangue no sapato, que é pequeno demais! Não é a noiva certa que vai sentada atrás! O príncipe olhou o pé da moça, viu o sangue escorrendo e a meia branca, vermelha de sangue. Então virou seu cavalo, levou a falsa noiva de volta para casa e disse ao pai:
- Esta também não é a verdadeira noiva. Vocês não têm outra filha?
- Não - respondeu o pai - a não ser a pequena Cinderela, filha de minha falecida esposa. Mas é impossível que seja ela a noiva que procura. O príncipe ordenou que fossem buscá-la.
- Oh, não! Ela está sempre muito suja! Seria uma afronta trazê-la a vossa presença! - protestou a madrasta. Porém o príncipe insistiu, exigindo que ela fosse chamada. Depois de lavar o rosto e as mãos ela veio, curvou-se diante do príncipe e pegou o sapato de ouro que ele lhe estendeu. Sentou-se num banquinho, tirou do pé o pesado tamanco e calçou o sapato, que lhe serviu como uma luva. Quando ela se levantou, o príncipe viu seu rosto e reconheceu logo a linda jovem com quem havia dançado.
- É esta a noiva verdadeira! - exclamou, feliz. A madrasta e as filhas levaram um susto e ficaram brancas de raiva. O príncipe ergueu Cinderela, colocou-a na garupa do seu cavalo e partiram. Quando passaram pela aveleira, as duas pombinhas brancas cantaram:
- Olhe pare trás! Olhe pare trás! Não há sangue no sapato, que serviu bem demais! Essa é a noiva certa. Pode ir em paz! E, quando acabaram de cantar, elasvoaram e foram pousar, uma no ombro direito de Cinderela, outra no esquerdo; ali ficaram. Quando o casamento de Cinderela com o príncipe se realizou, as falsas irmãs foram à festa. A mais velha ficou à direita do altar, e a mais nova, à esquerda. Subitamente, sem que ninguém pudesse impedir, a pomba pousada no ombro direito da noiva voou para cima da irmã mais velha e furou-lhe os olhos. A pomba do ombro esquerdo fez o mesmo com a mais nova, e ambas ficaram cegas para o resto de suas vidas.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Em Sono Profundo

Essa semana foi em  busca de referências. Estamos criando nossa cena da Bela Adormecida. Vimos alguns filmes que tratam do tema. Fizemos uma listinha quem puder assista.Todos valem à pena. Alguns são mais pesados que outros, mas é pra isso que a arte existe. Para que nos desperte sentimentos.
  • Fale com Ela (Hable con Ella) 
  • Dogville (Dogville) 
  • Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness) 
  • Irreversível (Irreversible) 
  • Meninos não Choram (Boys Don’t Cry) 
  • Não Se Mova


terça-feira, 13 de outubro de 2009

Cinderela, fique mais um pouco


Cinderella Stay Awhile
Michael Jackson
[VERSE 1]
Cinderella, stay awhile
You're the one
That I've been lookin' for
Cinderella, when you smile
All around me sunbeams
Start to fall

Midnight is so near
Please don't disappear
Now that you are here
Stay awhile

[VERSE 2]
Cinderella, I just know
That the magic slipper's
Gonna to fit
Cinderella, do not go
You're my princess
I am sure of it

This is love for sure
Love that's sweet and pure
Love that will endure
Stay awhile

[BRIDGE]
When you speak the angels all sing
This is the kind of magic you bring, oh

[VERSE 3]
Cinderella, stay awhile
This is like a fairytale with you
Cinderella, when you smile
All my fairytales are coming true

Well my only fear
Is midnight is so near
Please don't disappear
Stay awhile, oh

(Fairytales, make-believe and you)
(Fairytales, make-believe and you)

Cinderella, stay awhile
Don't you go
Oh
Tradução

Cinderela, fique mais um pouco
Você é a que eu estava procurando
Cinderela, quando você sorri
A minha volta, raios de sol começam a cair


Meia noite está chegando
Por favor, não desapareça
Agora que você está aqui
Fique mais um pouco

Cinderela, eu só sei
Que o sapato mágico vai servir
Cinderela, não se vá
Você é minha princesa, estou certo disso


Isso é amor sem dúvida
Amor que é doce e puro
Amor que vai durar
Fique mais um pouco


Quando você fala, os anjos cantam
É esse tipo de magia que você traz


Cinderela, fique mais um pouco
Isso é igual um conto de fadas em você
Cinderela, quando você sorri
Todos meus contos de fadas tornam-se realidade


Meu único medo
É que meia noite está tão perto
Por favor, não desapareça
Fique mais um pouco



(Conto de fadas, faz de conta e você)
(Conto de fadas, faz de conta e você)

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Você quiz dizer ...

Boa Noite.
Willian Bonner sobre Cinderela

Cinderella, stay awhile.
Michael Jackson sobre Cinderela

Não me lembro de nada das 8 horas seguintes.
Consumidor do Remédio da marca "Boa Noite Cinderela"®

Você quis dizer: LSD
Google sobre Alice no País das Maravilhas

Experimente também: Maconha
Sugestão do Google para Alice no País das Maravilhas

Melhor do que um baseado.
Bob Marley sobre Alice no País das Maravilhas

Nem se compara.
Marcelo D2 sobre Alice no País das Maravilhas

Calma Alice foi só uma bad trip!
LSD sobre alice no país das maravilhas

Já cumi!
Marlene Mattos sobre Branca de Neve

De ACRUEL

O Sabão em Pó da Pequena Sereia!

Eu tambem sou piranha.
Paris hilton sobre Ariel

Só porque ela tem rabo.
Ursinho Pohh

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Cena da Maçã da Branca de Neve

PS: Os textos aqui inseridos não farão parte da peça, são textos que surgiram no processo.


A cena é sombria. Temos medo da senhora que fala. Ela é gentil, mas horripilante. Não há ninguém em cena além dela. Ela fala voltada para a platéia, mas como se a menina estivesse na sua frente.

VELHA- Menina, você pode oferecer um copo d’água a uma velha senhora cansada? (pausa) Oh, não se assuste criança, sou apenas feia, mas não tenho um corpo que me permita te fazer mal. (pausa) Obrigada, menina. Você é muito gentil. (pausa) Linda criança, é tão bela. Sua feição carrega juntas a pureza e a força. Você pode ser ainda maior, sabia? Com seus sete aninhos de idade você já pode ser a fêmea mais desejável que existe. (pausa) Você quer os conselhos de uma mulher vivida? Aproveite-se disso, garota! Olhe para mim, um dia você vai ser assim, e aí terá que mendigar um copo d’água. Agora veja você, recebendo ajuda de gentis homens a todo o momento, todos prontos a arriscar o próprio pescoço por você. E você nem teve que se esforçar. Dê a eles o que eles querem e você verá tudo o que pode uma pequena menina como você. Mas não ceda a todos, querida, apenas conquiste-os. Você deve continuar sendo um objeto raro, o diamante que causa a guerra por ser prêmio dela. Você pode ter muito mais do que tem conseguido até agora, minha jovem. (pausa) Eu já estou velha e morrerei logo, por isso já está na hora de passar a diante minha sabedoria e minha magia. E você, você tem potencial, minha jovem. Você vai cuidar bem das minhas coisinhas. Tome! Um pente preto como seus cabelos e uma fita branca como a sua pele. Use-os para arrancar toda a energia que existe na sua alma. Lembre-se, pequena, você pode fazer mágica. Ah, eu já ia me esquecendo. Pegue esta maçã. Veja, é tão vermelha quanto as maçãs do seu rosto. Esta é a fruta do amor, querida, de hoje em diante a fruta da qual você se alimenta, e a fruta da qual você oferece.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

A fotógrafa canadense Dina Goldstein resolveu mostrar ao mundo como estariam as princesas de contos de fadas nos dias de hoje. Bem diferente do que costumamos escutar no final das histórias, elas não tiveram um final tão “feliz para sempre”.

A Pequena Sereia
Rapunzel

Jade

Cinderella

Chapeuzinho Vermelho

Branca de Neve

Bela

Bela Adormecida


sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Hoje é o seu dia, que dia mais feliz!

Emanuele Sotoski em As Ruas de Bagdá ou Aranha Marrom não usa Roberto Carlos da ACRUEL Companhia.

Hoje é aniversário da atriz e criadora cênica Emanuelle Sotoski. Ela, que está na ACRUEL desde o início, tem uma cara de brava na vida real, mas no palco sabe muito bem mostrar seu doce.

Manu, nós amamos seu trabalho e sua existência ao nosso lado. As suas amigas da ACRUEL te desejam muita criatividade, persistência, amor, prazer e felicidade!
Quantos anos ela está fazendo, é melhor perguntar pra ela... :D

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Ana, Rúbia e Manu reunidas no Jacobina, confabulando sobre a nova
peça da Acruel Companhia, "É uma vez e para sempre".

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Rammstein - Sonne


No clipe da música Sonne, da banda alemã Rammstein, temos uma releitura audaciosa da Branca de Neve. É como se a menina tivesse se tornado a epítome da Madrasta, em todos os sentidos: mais manipuladora, mais egoísta, mais perversa, mais egocêntrica, mais sexy… mais bela(?)!
Numa entrevista dada a uma revista alemã, os integrantes do Rammstein explicaram a origem do clipe. Segundo eles, a idéia para o clipe surgiu quando eles estavam discutindo sobre o que deveriam filmar. Um dos guitarristas da banda estava com um livro de contos de fada no qual havia o conto da Branca de Neve. Segundo ele, no livro a princesa era descrita como o “sol” da vida dos anões. Daí veio a idéia para o clipe, já que Sonne é sol em alemão.
Mas, é claro que a versão da Branca de Neve do Rammstein não poderia ser tão “pura” quanto a versão de Walt Disney, por exemplo. Afinal, o Rammstein é reconhecido por seus clipes “pertubadores”! Em seus clipes, a banda tem uma predileção por temas associados ao sexo, à violência e à crueza da vida, tudo isso sem qualquer glamour. Portanto, é bem aceitável que a Branca de Neve num clipe do Rammstein seja uma dominatrix viciada, e que os anões sejam trabalhadores rústicos e sujos.
Os integrantes do Rammstein também falaram na entrevista que a inspiração para as imagens do clipe veio de uma antiga série da TV alemã. Essa série, que passava quando eles eram crianças, apresentava versões dos contos de fada utilizando recursos teatrais como a iluminação típica dos palcos teatrais e o uso de bonecos e objetos em escala para dar a sensação de gigantismo e/ou nanismo. A cena dos integrantes da banda (caracterizados como anões) em volta da Branca de Neve sentada, utiliza o recurso do boneco articulado. Nessa cena, a Branca de Neve é uma boneca com mãos mecânicas. O recurso do cenário em escala também é usado na ambientação da casa dos anões e nas cenas em que aparece o caixão da Branca de Neve. Nessas situações, os móveis e objetos foram construídos em tamanho muito maior do que o normal para que os integrantes da banda parecessem anões.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Como seria a história da Chapeuzinho Vermelho nas manchetes

Coluna de humor - toda segunda

PROGRAMA DA HEBE
(Hebe Camargo): "... Que gracinha gente. Vocês não vão acreditar, mas essa menina linda aqui foi retirada viva da barriga de um lobo, não é mesmo?"

REVISTA CLÁUDIA
Como chegar à casa da vovozinha sem se deixar enganar pelos lobos no Caminho.

CAPRICHO
Esse lobo é um gato!

REVISTA NOVA
Dez maneiras de levar um lobo à loucura na cama.

MARIE-CLAIRE
Na cama com um lobo e minha avó, relato de quem passou por essa experiência.

REVISTA CARAS (Ensaio fotográfico com Chapeuzinho na semana seguinte)
Na banheira de hidromassagem, Chapeuzinho fala a CARAS: "Até ser devorada, eu não dava valor para muitas coisas da vida. Hoje sou outra pessoa"

SUPERPOP(Chapeuzinho é convidada para desfilar no programa só de lingerie vermelha.)
(Luciana Gimenez): Nossa, que corpo, hein garota? Muita bonita mesmo! Até eu no lugar do Lobo não iria deixar escapar essa menina!!

BRASIL URGENTE
(Datena): "... Onde é que a gente vai parar, cadê as Autoridades? Cadê as autoridades?! A menina ia para a casa da vovozinha a pé! Não tem transporte público! Não tem transporte público! E foi devorada viva... Um lobo, um lobo safado. Põe na tela! Porque eu falo mesmo, não tenho medo de lobo, não tenho medo de lobo, não."

REVISTA VEJA
Lula sabia das intenções do lobo.

JORNAL NACIONAL
(William Bonner): "Boa noite. Uma menina foi devorada por um Lobo na noite de ontem...".
(Fátima Bernardes):"... Mas a atuação de um caçador evitou uma tragédia".

FANTÁSTICO
(Glória Maria): ...que gracinha, gente, vocês não vão acreditar, mas essa menina linda aqui foi retirada viva da barriga de um lobo, não é mesmo...?

FOLHA DE S. PAULO
Legendada foto: "Chapeuzinho, à direita, aperta a mão de seu salvador". Na matéria, Box com um zoólogo explicando os hábitos dos lobos e um imenso infográfico mostrando como Chapeuzinho foi devorada e depois salva pelo lenhador.

O ESTADO DE S. PAULO
Lobo que devorou Chapeuzinho seria filiado ao PT.

REVISTA ISTO É
Gravações revelam que lobo foi assessor de político influente.

AGORA
Sangue e tragédia na casa da vovó.

JORNAL SUPER NOTÍCIAS
Lobo mastiga as tripas da chapeuzinho e lenhador destrói tripas do lobo para retirar a garota (foto ao lado da barriga do lobo com as tripas pra fora).

JORNAL DO BRASIL
Floresta: Garota é atacada por lobo (Na matéria, a gente não fica sabendo onde, nem quando, nem mais detalhes.)

O GLOBO
Retirada Viva da Barriga de um Lobo (Na matéria terá até mapa da região. O salvamento é mais importante que o ataque.)

MEIA HORA
Lobo Mal comeu a Chapeuzinho Vermelho (literalmente).

PLAYBOY (Ensaio fotográfico no mês seguinte)
Veja o que só o lobo viu.

G MAGAZINE (Ensaio fotográfico com lenhador)
Lenhador mostra o machado.

SEXY
(Ensaio fotográfico com Chapeuzinho um ano depois do escândalo).
"Essa garota matou um lobo!"


PROGRAMA DA UNIVERSAL
(Pastor): Isso é encosto! Agora meu irmãos vamos todos juntos levantar as mãos e dizer: SAI CHAPEUZINHO VERMELHO, SAI DESSE CORPO QUE NÃO TE PERTENCE.

BIG BROTHER
(Pedro Bial): Fala meu Lobo, Quem você vai eliminar hoje?
(Lobo): Hoje eu vou eliminar a Chapeuzinho Vermelho, porque ela tá de complô com o Lenhador, que eu acho que quer me eliminar e isso não está fazendo bem para o Ambiente da casa.

O APRENDIZ
(Roberto Justus): Chapeuzinho, o que você foi fazer na casa da vóvozinha?
(Chapeuzinho): Fui levar uns doces para ela.
(Justus): De graça? Mas você não tinha um Planejamento para isso? Achou que era o marketing mais correto? Qual seria o retorno? Que tipo de postura teve seu líder? Que providências você tomaria?


SUPER INTERESSANTE
Lobo mau! Mito ou verdade?

DISCOVERY CHANNEL
Descubra se é possível uma pessoa ser engolida viva e sobreviver.

domingo, 27 de setembro de 2009

Bela Adormecida

Branca de Neve





Foto de Dogville
Na versão dos irmãos Grimm, Branca de Neve tem apenas sete anos. Príncipes pedófilos era normais... O prícipe carrega seu corpo morto com ele para o palácio. Algum tipo de necrofilia? Depois de algum tempo, um de seus servos, cançado de ter que carregar o caixão de um lado para o outro, resolve descontar suas frustrações dando uma baita de uma surra na Branca de Neve. Um dos golpes no estômago faz com que ela vomite a maçã e volte a vida.




quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Neve, Vidro, Maçãs

Por Neil Gaiman
Eu não sei que espécie de coisa ela é. Nenhum de nós sabe. Ela matou sua mãe ao nascer, e nunca é demais lembrar sua culpa por isso.
Dizem que sou sábia, mas estou longe disso. Tudo que previ foram fragmentos, momentos congelados e presos em poças d'água ou no vidro do meu espelho. Se eu fosse sábia, não teria tentado mudar o que vi. Se eu fosse sábia, teria me matado antes mesmo de encontrá-la, antes mesmo de tê-lo conquistado. Sábia, e bruxa, ou assim o dizem, e eu tinha visto o rosto dele nos meus sonhos e pensamentos por toda a minha vida: dezesseis anos a sonhar com ele, antes do dia em que ele parou seu cavalo perto da ponte, naquela manhã, e perguntou meu nome. Ele me ajudou a montar no seu altivo cavalo, e fomos juntos para minha pequena propriedade no campo, meu rosto enterrado no dourado dos seus cabelos. Ele me pediu o que eu tinha de melhor; era seu direito, por ser rei.

Sua barba era de um vermelho-bronze à luz da manhã, e eu o conheci, não como um rei, pois eu não sabia nada sobre reis então, mas como meu amor. Ele teve de mim tudo o que queria - é um direito dos reis - mas me retribuiu no dia seguinte, e na noite também: sua barba tão vermelha, seu cabelo tão dourado, seus olhos do azul de um céu de verão, sua pele bronzeada, com a cor gentil do trigo maduro.

Sua filha era só uma criança: não mais que cinco anos de idade quando eu cheguei ao palácio. Um retrato da sua mãe morta pendia da parede do seu quarto, na torre: uma mulher alta, seu cabelo da cor do ébano, os olhos castanhos. Sua pálida filha não parecia descender dela.

A garota não fazia suas refeições conosco. Eu não sei em que lugar do palácio ela comia. Eu tinha meus próprios aposentos. Meu marido, o rei, também. Quando ele me queria, ele mandava me procurar, e eu ia até ele, e lhe dava prazer, e também recebia um pouco.

Uma noite, vários meses após eu ser levada ao palácio, ela veio aos meus aposentos. Estava com seis anos. Eu bordava à luz do lampião, apertando meus olhos à sua fumaça e à sua parca iluminação. Quando levantei os olhos, ela estava ali.

- Princesa?

Ela não disse nada. Seus olhos eram negros como o carvão, negros como seus cabelos; seus lábios eram mais vermelhos que o sangue. Ela olhou para mim e sorriu. Seus dentes pareceram afiados, mesmo ali, à luz do lampião.

- O que você está fazendo fora do seu quarto?

- Estou com fome - ela disse, como qualquer criança. Era inverno, um tempo em que comida fresca é como um sonho de calor e luz do sol; mas eu tinha cordões de maçãs, descaroçadas e secas, penduradas nas vigas do meu aposento, e puxei uma para ela.

- Tome.

O outono é a época de secar, de preservar, a época de colher maçãs e gordura de ganso. O inverno é a época da fome, da neve e da morte, e é a época de Festival, quando esfregamos gordura de ganso na pele de um porco e o
recheamos com as maçãs colhidas no outono, e então o assamos ou grelhamos, e organizamos o festival enquanto ele estala no fogo.

Ela pegou a maçã seca e começou a mordiscá-la, com seus dentes amarelos e afiados.

- Está boa?

Ela assentiu. Eu sempre tive medo da princesinha, mas naquele momento me aconcheguei a ela e com meus dedos, gentilmente, acariciei seu rosto. Ela olhou para mim e sorriu - ela sorria raramente - , e então fincou seus dentes na base do meu polegar, tirando sangue.

Eu ia começando a gritar, de dor e surpresa; mas ela olhou para mim e eu caí em silêncio.

A princesinha fixou sua boca à minha mão, e lambeu, chupou, sugou. Quando terminou, deixou meus aposentos. Diante do meu olhar, a perfuração feita por ela começou a se fechar, a cicatrizar, a sarar. No dia seguinte, ela era como uma cicatriz antiga: eu poderia ter cortado minha mão com um canivete, quando era criança.

Eu havia sido congelada por ela, possuída e dominada. Aquilo me assustou, mais do que o sangue de que ela havia se alimentado. Depois daquela noite, eu trancava meus aposentos ao anoitecer, barrando a porta com uma tranca de carvalho, e pedi ao ferreiro que fizesse barras de aço e as colocasse nas minhas janelas (...).

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A Vingança

Em "A Guardadora de Ganços" o Rei inquere àquela que se passou pela princesa qual seria o castigo ideal para alguém que fizesse tal coisa. A dama, sem perceber ter sido descoberta, responde: "Ela mereceria ser colocada nua dentro de um barril forrado de ferros pontiagudos, e dois cavalos brancos deveriam arrastar este barril pela cidade, até que ela morresse". Rei então aplicou tal castigo a ela.

O Caçador enche de pedras a barriga do Lobo de "Chapeuzinho Vermelho" que cai no rio e, por causa do peso, morre afogado.

A bruxa de "João e Maria" , que desejava cozinhar as crianças no forno, é empurrada para dentro dele e queima até morrer.

Em "Irmão e Irmã" a bruxa é lançada ao fogo para morrer.

A Rainha de "Branca de Neve" estava saindo do casamento da enteada quando acabou tropeçando num par de botas de ferro que estavam aquecidas em brasa. As botas fixaram-se na rainha e obrigaram-na a dançar, e ela dançou e dançou, até finalmente, cair morta.

As irmãs de Cinderella tem os olhos bicados por passarinhos até cegarem.

O Barba Azul é assassinado com espadas pelos irmãos de sua esposa.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Trecho de O Gato de Botas

Meu querido ogro, tenho ouvido por aí umas histórias a teu respeito. Dizei-me lá: é certo que te podes transformar no que quiseres?

- Certíssimo – respondeu o ogro, e transformou-se num leão.

- Isso não vale nada – disse o gatinho. – Qualquer um pode inchar e aparecer maior do que realmente é. Toda a arte está em se tornar menor. Poderias, por exemplo, transformar-te em rato?

- É fácil – respondeu o ogro, e transformou-se num rato.

O gatinho deitou-lhe logo as unhas, comeu-o e desceu logo a abrir a porta, pois naquele momento chegava a carruagem real.

Trecho de O Barba Azul

A princípio não viu coisa alguma, porque as janelas se achavam fechadas; momentos depois começou a notar que o assoalho estava todo coberto de sangue coalhado, no qual se espelhavam os corpos de várias mulheres mortas, presas ao longo das paredes (eram todas mulheres que Barba-Azul desposara e que havia estrangulado). Cuidou morrer de susto, e a chave do gabinete que acabava de retirar da fechadura, caiu-lhe da mão. Após haver recobrado um pouco o ânimo, apanhou a chave, fechou a porta e subiu ao quarto para refazer-se; não o conseguia, porém, devido à sua grande perturbação.
Tendo notado que a chave do gabinete estava manchada de sangue, limpou-a duas ou três vezes, mas o sangue não desaparecia; lavou-a, esfregou-a com sabão e pedra-pomes; debalde: o sangue ficava sempre, pois a chave era fada, e não havia meio de limpá-la inteiramente: quando se tirava o sangue de um lado, ele voltava do outro.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Contos de fadas despidos de lições

Em sua forma original, os contos de fadas traziam doses fortes de adultério, incesto, canibalismo e mortes hediondas. Originalmente concebidos como entretenimento para adultos, os contos de fadas eram contados em reuniões sociais, nas salas de fiar, nos campos e em outros ambientes onde os adultos se reuniam. Por isso, muitos dos primeiros contos de fada incluíam exibicionismo, estupro e voyeurismo.

Segundo Cashdan "a crença de que os contos de fada contêm lições pode ser, em parte, creditada a Perrault, cujas histórias vem acompanhadas de divertidas 'morais', muitas das quais inclusive rimadas".

Mas o autor se opõe: "os contos de fada possuem muitos atrativos, mas transmitir lições não é um deles".

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Irmãos Grimm

Em principio, na tradição oral, as histórias compiladas pelos estudiosos não eram destinadas ao público infantil e sim aos adultos. E isso, grande parte do público que acompanha o “Mundo” já sabe. Foram os irmãos Grimm que as dedicaram às crianças por sua tendência em trabalhar a temática mágica e maravilhosa. Eles acabaram unindo esses dois universos: o infantil e o popular e já no 1º título publicado pela dupla, Contos da Criança e do Lar (Kinder und Hausmärchen), de 1812, essa proposta educativa é evidenciada.

E essa abertura só foi possível e influenciada graças ao Romantismo da época que trouxe ao mundo literário (nesse caso, mas específico as narrativas fabulosas) um sentido mais humanístico, deixando de lado o enfoque na violência, tão presente nos contos de Charles Perrault. Sim, porque Perrault visava passar lição de moral à sociedade e responder aos interesses da nobreza através de suas obras, até que começa a perceber que a concorrência cede lugar ao lado maravilhoso da vida nos escritos daquele período.

Pelos irmãos Grimm as histórias passaram a conter desfechos mais suaves, evidenciando a solidariedade e o amor ao próximo. Não que os aspectos negativos tenham se extinguido por completo, não é isso! Eles continuavam presentes nesses contos, porém, existia um predomínio da esperança e a confiança na vida bem mais forte.

Por Cládio Brasil.

Hora da Propaganda

“A história sempre se repete. Todo Chapeuzinho Vermelho que se preze, um belo dia, coloca o lobo mau na coleira”.


“Era uma vez uma garota branca como a neve, que causava muita inveja não por ter conhecido sete anões. Mas vários morenos de 1,80 m”.


“Gabriela vivia sonhando com seu príncipe encantado. Mas, depois que e la passou a usar O Boticário, foram os príncipes que perderam o sono”.


“Um belo dia, uma linda donzela usou O Boticário. Depois disso, o dragão que ela tanto temia ficou mansinho, mansinho e nunca mais saiu de perto dela”.



Alice no Pais das Maravilhas: novo filme de Tim Burton.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

O efeito da fantasia na vida prática

Investigações recentes sobre o sonho mostram que uma pessoa impedida de sonhar, mesmo que não seja privada de dormir, fica prejudicada na habilidade de lidar com a realidade; torna-se perturbada emocionalmente porque não é capaz de elaborar nos sonhos os problemas inconscientes que a bloqueiam. Talvez algum dia sejamos capazes de demonstrar o mesmo fato experimentalmente em relação aos contos de fadas: que as crianças vão mal de vida quando são privadas do que as histórias podem lhes oferecer, dado que os contos ajudam-na a elaborar, na fantasia, as pressões inconscientes.

Mitos versus Contos de Fadas

Tanto os mitos como as estórias de fadas respondem a questões eternas: O que é realmente o mundo? Como viver minha vida nele? Como posso realmente ser eu mesmo? As respostas dadas pelos mitos são taxativas, enquanto o conto de fadas é sugestivo; suas mensagens podem implicar soluções, mas nunca as soletra.

Sentimentos Engarrafados

Enquanto o gênio ficou confinado na garrafa durante os primeiros cem anos ele "disse de coração: Aquele que me libertar, eu o enriquecerei para sempre. Mas passou-se o século inteiro, e quando ninguém me libertou, eu entrei pelos segundos cem anos dizendo: Àquele que me soltar, eu abrirei os tesouros ocultos da terra. Ainda assim ninguém me libertou, e passaram-se quatrocentos anos. Então, disse eu: Àquele que me soltar, eu satisfarei três desejos. Mesmo assim ninguém me libertou. Em conseqüência encerrei-me em cólera, e com excessiva ira disse para mim mesmo: Aquele que me soltar, daqui para diante, eu o matarei..."

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O por quê

A arte, em geral, habita um espaço estranho à sociedade contemporânea. Ela tem sido pouco eficiente em exercer algum efeito sobre a massa. Talvez a afirmação de Foucault sobre os espaços serem responsáveis pelas específicas relações sociais em cada cultura ajude a entender que a arte necessita se incluir em outro lugar dentro dos costumes. Mesmo o teatro que é heterotópico por natureza, uma vez que encerra, em um local, a reprodução do que não está ali, precisa estabelecer novas interlocuções espaciais. A tentativa neste projeto é, portanto, através da infiltração no espaço público, estabelecer um discurso no qual a exibição artística se mescle à vivência, e que a convivência destas duas instâncias, representação e vida, permita um contato mais íntimo com os cidadãos.

A eficiência da comunicação é também buscada no ato de recontar os contos de fada adaptados à linguagem e ao conteúdo contemporâneo. Esta é uma importante característica deste projeto. Trata-se de um retorno as essências da cultura ocidental que visa, dentro do formato contemporâneo, reencontrar a ponte com o espectador. O processo colaborativo de criação da dramaturgia permite que se tenham várias referências míticas organizadas em uma forma bem acabada, de estrutura inteligente.

Cena Breve

Qual personagem é inesquecível em nossas vidas? Quem é o ícone de uma geração? Com certeza dentre essas respostas não estavam Cinderela ou Chapeuzinho Vermelho. Mas depois de lembrá-las, pode-se descartá-las? Afinal todo mundo já sonhou em ser levada por um príncipe ou destruir dragões. O seu Era uma vez nos levam de volta a um tempo distante. Mas se em meio a isso tudo descobríssemos que Bela Adormecida acorda mãe de 2 filhinhos? E que fingir que o sapatinho servia não foi tão fácil assim? E porque não dar a madrasta algo mais que o coração de branca de neve? É a partir dos elementos macabros originais dos contos antigos - que eram construídos para os adultos - que aqui se propõe reviver estes nossos mitos. Em cena há uma grande miscelânea de referências transportando-nos a lugares onde tudo pode acontecer. Tudo isso através da narração entreposta de ação.

No fim o que se deseja é o desejo. Exacerba-se o prazer pelo consumo (em toda a sua abrangência). A crueldade misturada ao prazer é crescente e vai rivalizando com uma humanidade singela, silenciosa. Conclui-se com um grande êxtase. Uma redenção que compensa a trajetória vivida, uma grande celebração.

Isto é fantasiar o espaço real

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

“Espaço Outro” é um projeto que pretende a criação de um espaço heterogêneo que represente a sociedade ao mesmo tempo em que realmente pertença a esta, transformando-a no próprio objeto artístico do qual deleita. Almeja esta realização através do uso de formas não convencionais das artes cênicas: a infiltração no espaço cotidiano com a intenção de intervir na percepção da realidade do público. O escopo é que se formem diversos espaços de significações diferentes: o do cotidiano real, o da coreografia de um cotidiano, os das histórias contadas referentes a outro tempo e o do cubo estranho ao lugar público e observado pelos passantes.
A explicitação do espaço compartilhado tem a intenção de expor o que nele há de mais íntimo, revelando a universalidade das histórias que os locais mais específicos permitem. Trabalhar este caráter universal exige que se tenha o cuidado de não estabelecer verdades ou comportamentos. A dramaturgia deste projeto propõe, portanto, apenas deslizar por estes contos míticas e suas potencialidades dramáticas sem se posicionar diante delas. A idéia é provocar o público a se relacionar da sua forma mais particular com cada mito expresso.
Também se deseja uma transitoriedade espacial, que este lugar nenhum realmente não tenha um lugar, que esta caixa seja levada aos diversos pontos da cidade de Curitiba. Os espaços amplos e movimentados são os adequados, como as diversas praças e parques da cidade, o Largo da Ordem, o calçadão da Rua XV de Novembro e ainda alguns grandes gramados. Pretende-se que em cada porto que este lugar nenhum ancorar, dê características de irrealidade às realidades específicas do local, formando sempre umnovo espaço outro, mas revelando sempre a mesma universalidade que pode pôr à prova ou reforçar os comportamentos estabelecidos.
Durante a temporada de um mês, serão executadas vinte apresentações. Os locais serão decididos de acordo com os estudos e experimentações realizados durante a primeira etapa do processo criativo. A segunda fase tem como objetivo organizar a encenação ao lado da dramaturgia.

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