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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

O truque do calendário


"Bendito quem inventou o belo truque do calendário, pois o bom da segunda-feira, do dia 1º do mês e de cada ano novo é que nos dão a impressão de que a vida não continua, mas apenas recomeça..." 
                                                                   Mario Quintana

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Sobre como este Espaço é Outro


Espaço Outro é uma peça de teatro de estrutura peculiar, realizada pela ACRUEL Companhia em praças públicas de grande movimento. O público é convidado a entrar em uma grande caixa de acrílico transparente onde uma narração em off orienta o olhar. As cenas acontecem fora, espalhadas pela praça. Algumas são pequenas e infiltradas entre as pessoas comuns, outras intervêm no movimento natural do lugar. Assim, enquanto os espectadores da caixa têm uma orientação objetiva (só eles sabem tudo o que está acontecendo) e subjetiva sobre as ações, os passantes têm uma percepção espontânea das mesmas. Estes últimos observam, ainda, a grande caixa de acrílico com indivíduos encerrados, que acaba por se transformar em uma obra das artes visuais. Desta forma, todo público que observa, é também observado por outro.
Mesmo que existam muitas formas de se relacionar com a peça, Espaço Outro privilegia o público da caixa. A maior característica do trabalho é dar a estas pessoas o poder de Onisciência. A narração lhes permite saber mais sobre o presente, e até um pouco sobre o passado e futuro, do que as pessoas que vêem de fora. A caixa é um ponto de observação do espaço público e das histórias que ele conta, porém o caráter fictício transforma seu significado. Este jogo entre realidade e representação teatral permite novas visões sobre este ambiente, mais atentas e sensíveis. Mas, como todo jogo, trata-se de um desafio. O espectador deve ir descobrindo a melhor forma de lidar com a narração.
O espaço, neste projeto, é o veículo de sua principal discussão: as diversas possibilidades de se interpretar e agir dentro de uma mesma situação. A dramaturgia da peça é dividida em cinco partes nas quais o mesmo roteiro de ações se repete. Cada uma delas é representada por uma cor no figurino que expressa alterações de emoção, atitude e conseqüência. A linguagem textual acompanha estas modificações. As ações começam distanciadas e a aproximam-se da caixa gradualmente no decorrer da peça. Ao final, o público é sutilmente convidado a pensar em como vai se relacionar com o território e o tempo que lhe é dado a partir dali, agora que volta a atividade no “Espaço Lá Fora”, a vida real.
A motivação deste projeto é um contato mais íntimo entre o artista e os cidadãos. Para isso, realizamos uma infiltração no espaço público, na qual a exibição artística se mescla à vivência cotidiana. A rua como espaço artístico, por si só, já é democrática, mas no caso deste projeto, esta característica é ainda mais forte. A linguagem contemporânea desta obra importa-se em ser atraente à apreciação da platéia, seja ela qual for. O diferencial de “Espaço Outro” é levar ao espaço público um trabalho artístico contemporâneo com uma composição constituída por diferentes camadas as quais cada espectador, de acordo com suas referências de vida e a arte, pode aproveitar a sua maneira. As histórias, a instalação da caixa, as intervenções na rua, as estéticas de cada uma das cinco partes, a brincadeira de onisciência, permitem às pessoas se interessem por diferentes possibilidades de relação com esta obra. 

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Processo criativo de Espaço Outro

Para relembrar, posto aqui o artigo sobre o processo de criação da peça Espaço Outro, da ACRUEL, publicado na Revista Questão de Crítica (para ver, acesse aqui). 


Espaço Outro - Por Ana Ferreira
Espaço Outro é uma peça de gabinete, processo estranho à maioria dos criadores contemporâneos. A observação do espaço urbano, mais especificamente do centro da cidade, intercalou algumas fases da criação. Os ensaios tomaram pouquíssimo tempo. Foi à base de café que eu, Emanuelle Sotoski e Rubia Romani construímos esta obra.

O primeiro café deste processo foi tomado no Café Fingen, ao lado do Teatro Guaíra de Curitiba, onde o grupo Couve-Flor fazia Infiltrações. Tratava-se de uma intervenção na qual o público recebia por escrito um roteiro de ações executadas pelos artistas em qualquer lugar visível a partir das cadeiras do Café, do balcão à Praça Santos Andrade. Um homem procurava emprego em um jornal do outro lado da rua enquanto uma mulher vestida de verde e com os cabelos molhados pedia sorvete de pistache no balcão; e nós sabíamos antecipadamente que tudo isso aconteceria por causa daquele objeto vidente que havia nos sido entregue. O café trivial tornou-se mágico, todo o ambiente real tomou proporções ficcionais: as pessoas atravessando a faixa de pedestres com o intenso movimento das seis e meia era uma linda coreografia de balé. Junto comigo, estava a Manu, também integrante da ACRUEL.
Na mesma semana tivemos uma reunião sobre os próximos passos da companhia e eu falei sobre o quanto Infiltrações havia mexido comigo, o quanto eu passei a acreditar na necessidade deste tipo de arte. Qual necessidade? Qual tipo de arte? São perguntas que precisávamos nos fazer antes de apenas reproduzir a intervenção do Couve-Flor. Partimos para dois meses de discussão regada de O Teatro é necessário? e Carta aberta, ambos de Denis Guénoun, e As heterotopias de Michel Foucault. Havia questões nestes textos que nos eram centrais. No primeiro, Guénoun discute a falta de público nas peças teatrais em paralelo ao excesso de pessoas nos cursos de teatro. Para o autor, o indivíduo contemporâneo só pode se sentir parte de uma obra, estar representado nela, se ele realmente atuar na mesma. O grande golpe do teatro em nossa época só poderia ser tornar o público ativo. Carta aberta é um texto sobre, para, e, principalmente, pelo teatro. Um novo, não mais feito para poucos. Uma possibilidade nova de paixão para outros apaixonados da sociedade. Guénoun é contra o desejo comum aos artistas da adequação do povo ao pensamento artístico contemporâneo. Para o autor, a população não deve correr para alcançar a arte, o artista é que deve sair do seu meio restrito de convivência e endereçar sua obra à população. “Você quer os fanáticos por futebol, é preciso ir ao estádio sentir subir o grito quando a jogada é bonita. Deixe o teu quarto, tua vida interior. É preciso levá-la para dançar. Faze-la valsar” (1).
E o público do futebol realmente nos interessava, talvez não de forma objetiva. Desejávamos combinar a identificação individual com a catarse coletiva, característica extremamente forte nos enormes estádios (claro que a estrutura que podíamos oferecer tinha menores proporções), e através disso atrair outros tipos de espectadores, aqueles mais ativos. O “ano novo” nos pareceu uma metáfora perfeita para esta combinação, pois nele estamos decididos a agir em nossas vidas e por isso estabelecemos representações/identificações do que somos e queremos. Ao mesmo tempo, comemoramos a concepção destas idéias em conjunto com outras pessoas, compartilhando um sentimento de renovação. Esta festividade tornou-se uma referência para o ambiente que queríamos criar, e trouxe consigo um tema: iniciativa para a satisfação própria. O objetivo da nossa obra passou a ser buscar esta situação e sentimento, esta era sua necessidade.
Foucault entra nesta história para responder a segunda pergunta, aquela sobre o tipo de arte. O autor nos ajudou a orientar nossa estratégia de ação. Ele acredita que a história das sociedades contemporâneas é contada pelo espaço e pelas relações que surgem dele ou com ele. Os “outros espaços” ou “espaços outros”, são os mais interessantes ao estudioso, pois tem valores simbólicos que falam fortemente sobre a cultura dos povos. Dentre estes, os mais importantes são as “heterotopias”, lugares reais e concretos que assumem significados de outros lugares, formando assim um contra-espaço. Há diversas expressões desta classificação. O teatro, em si, já é uma heterotopia por natureza, pois cria um espaço ilusório que representa outros reais. Entre seus exemplos, Foucault menciona um que nos encantou muito:
“Devemos ter em conta que, no Oriente, o jardim era uma impressionante criação de tradições milenares, e que assumia significados profundos e sobrepostos. Na tradição persa, o jardim era um espaço sagrado que reiterava nos seus quatro cantos os quatro cantos do mundo, com um espaço supra-sagrado no centro, um umbigo do mundo (ocupado pela fonte de água). Toda a vegetação deveria encontrar-se ali reunida, formando como que um microcosmo. (…) O jardim é a mais pequena parcela do mundo e é também a totalidade do mundo; tem sido uma espécie de heterotopia feliz e universalizante desde os princípios da antiguidade.” (2)
Este foi um dos momentos em que demos uma pausa nos nossos cafés e fomos para a rua observar. Fizemos alguns exercícios dentre os quais o mais produtivo foi criar histórias improvisadas sobre as pessoas que passavam nas ruas. Nesta experiência, encontramos nas praças públicas nosso Jardim Persa, um espaço real com potência para simbolizar todo o movimento urbano. Isto porque este lugar combina ociosidade com intensa transitoriedade, o que lhe possibilita ter frações das mais diversas atividades da cidade.
A forma desejada para nossa obra possuía fortes inspirações em Infiltrações, mas aqui ambas se separaram. O trabalho do Couve-Flor objetivava intensificar o olhar do público sobre a rua e por isso o grupo mudava seu roteiro a cada cidade, criando novas estratégias de acordo com suas rotinas. Mas nós desejávamos implantar um jardim, uma representação geral do todo artificialmente fixada naquele espaço. Nós queríamos, mais do que intervir, fazer uma peça de teatro.
Fechamos nossa estrutura espacial: uma grande caixa transparente no centro da praça pública que seria nosso artefato mágico, aquele que possibilita entrar em um ‘espaço outro’ sem sair deste espaço real da praça. Chegamos, então, ao momento de construir o roteiro e, para isso, fizemos nossos cafezinhos e retornamos ao nosso gabinete. Voltamos-nos ao objetivo de causar a reflexão sobre o que somos e o que queremos e, a partir dela, uma comoção compartilhada. Fizemos-nos inúmeras perguntas sobre ações e escolhas na vida, muito bem traduzidas pela crítica Luciana Romagnolli como Quando a gente é feliz?. E dentro deste tema que envolve fortemente as tomadas de decisões, organizamos a estrutura da dramaturgia com o que chamamos de “estratégia do re”. Refazer, reciclar, re-significar, regressão. Baseando-nos nas observações e exercícios nas praças, listamos ações com forte caráter de iniciativa no sentido de uma satisfação pessoal. Com elas criamos um roteiro base. Este deu origem a outros cinco, todos com as mesmas ações, mas variando em atitudes e maneiras de se relacionar com as situações. Cada um dos cinco possui uma forma dominante de relacionamento, e é representado por uma cor. Deixamos a critério do público se cada roteiro é uma outra forma de ver algo que aconteceu (re-significar), possibilidade de agir na mesma ocasião (refazer) ou uma continuação de uma mesma história onde há uma nova chance aproveitada de outra maneira (reciclar). Apenas um ‘re’ dominamos exclusivamente: a regressão. As ações começam longe da caixa e a cada novo roteiro vão se aproximando, contagem regressiva para o momento em que chegam ao público e devolvem a ele a responsabilidade de agir e escolher em suas próprias vidas, de se movimentar no espaço real.
Voltamos para a praça e testamos todo o roteiro. A penúltima fase foi a escrita do texto que é narrado em off na grande caixa, orientando o olhar do público sobre as cenas que se passam espalhadas pelo espaço urbano. A linguagem dramatúrgica de cada um dos cinco roteiros foi pensada para corresponder às suas cores (formas de relação). Para os dois primeiros, cada uma das criadoras escreveu solitariamente um texto, depois nos reunimos e montamos um “Frankenstein” com partes do corpo de todos. Os três últimos foram pensados em conjunto, algo que consideramos importante devido à gradação da abstração que acontece no decorrer da contagem regressiva.
Partimos para a última e menos complexa parte do processo criativo: gravar e produzir o áudio e ensaiar com os atores. Diferente da maioria das peças, esta parte foi mais fácil porque Espaço Outro não exige uma interpretação sofisticada por parte dos atores. O que há de mais importante nesta obra é a sincronia do que está sendo narrado com o que acontece no espaço real.
Focamo-nos, durante todo o processo, em transformar o estudo teórico em resultado concreto – na medida em que se pode ser concreto ao fazer arte. Acredito que, em decorrência desta preocupação, tivemos retornos do público bastante significativos. Finalizamos recentemente a primeira temporada, que se deu em Curitiba. Agora, esperamos poder fazer esta experiência com públicos de outras cidades.
Notas:
(1)Tradução e adaptação de Fernando Kinas. Não publicado.
(2)Conferência proferida por Michel Foucault no Cercle d’Études Architecturales, em 14 de Março de 1967. Texto traduzido por Pedro Moura. Disponível em: http://www.virose.pt/vector/periferia/foucault_pt.html .
Site da ACRUEL: http://www.acruel.com.br/

quinta-feira, 12 de julho de 2012

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Notícias

Novidades: agora a ACRUEL faz parte do Movimento de Teatro de Grupo de Curitiba, uma galera que tem tentado fazer da nossa classe artística uma organizada, que lute por seus interesses.
Para saber mais sobre o movimento: http://movimentodeteatrodegrupo.blogspot.com/

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O novo projeto

Para quem ainda não estava acompanhando, o que é o novo projeto da ACRUEL:

“É uma vez e para sempre” gira em torno das versões originais dos contos de fadas, que nasceram voltados aos adultos, com temas que focam exacerbadamente o desejo e a crueldade humana e que apresentam o prazer em suas diversas faces.

A ACRUEL pretende montar esta peça em uma casa, onde o público vivenciaria a atmosfera fantástica e agressiva das versões antigas dos contos de fadas. A cada novo cômodo no qual o espectador é convidado a entrar, acontece uma imersão em um outro mundo, dado pela ambientação cenográfica e pela composição de luz.

Estamos em fase da criação do texto. Hoje, mais especificamente, estamos escrevendo a quinta cena da peça.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Os desafios do texto

Finalizamos a segunda cena de É uma vez e para sempre, projeto baseado nas versões originais dos contos de fadas. Ela apresenta elementos de contos um pouco menos conhecidos no Brasil (pelo menos em suas versões originais) e que talvez não gerem uma identificação. Mesmo tendo um pouco menos de choque com os valores ocidentais do que a primeira cena, ainda possui imagens fortes.
Estamos começando as discussões para a terceira. Esta nos dará mais trabalho, pois nos colocamos um desafio muito grande nela: apresentar uma das consideradas maiores violências pelos nossos valores ocidentais como algo que faz parte do ser humano. Não que aprovemos o ato, mas o objetivo desta peça é mostrar os humanos quando agem apenas pelos seus desejos, ignorando valores ou consequências para os outros. Ou seja, o que o ser humano gostaria de fazer, mas se reprime e reprime os muitos que fazem por ter elaborado uma consciência.

domingo, 4 de julho de 2010

Início de criação de texto

Depois de jogar muito material fora, temos a primeira cena de É Uma Vez e Para Sempre finalizada. Ficou exatamente do jeito que queríamos.
Já temos o roteiro de toda a peça e vamos escrevendo aos poucos o texto de cada cena. Para a próxima, nos reuniremos só na quarta-feira. Até lá, vamos produzindo individualmente.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Exercício de escrita

Trecho inicial de exercício de escrita, parte do processo criativo de É Uma Vez e Para Sempre, novo projeto da ACRUEL.

LOBO: Nós começamos pela presença nula da avó. Permissiva ou fraca, é insignificante.Sua falta de energia é pressuposto desta cena. É importante que reservemos à avó os direitos autorais da corrupção familiar, herança de séculos de tradição. Registremos, portanto, sua presença vaporosa. Eu me apresento, o pólo positivo. O macho não contido pela convenção social do respeito, da atenção ao outro. O Lobo sem matilha.
Somos dois em cena, mas não há ação dramática. Há, sim, uma ambientação. Sentado à mesa de jantar na qual a avó está servida aos pedaços, aguardo a caça que feita vítima de sua baixa maturidade adquiriu desejável impressão de força negativa. Neste cenário, inicia um encontro de resultado certo. Desenvolvo-o aqui apenas pelo movimento, prazer que divido com vocês e com a criança.
LOBO: Neta, chegou bem na hora em que eu assumo o papel de avó. Vou tratar de você. Senta e nutra-se. (Ela senta e começa a comer a carne satisfatoriamente).(...)

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Espaço Outro em Florianópolis

Novidades sobre Espaço Outro: a peça da ACRUEL abrirá o Festival Palco Giratório de Florianópolis no primeiro dia de setembro. Serão duas apresentações neste mesmo dia.
Esperamos o pessoal de Floripa lá! ;)

domingo, 13 de junho de 2010

Artigo é publicado sobre o processo de criação de Espaço Outro

Um artigo sobre o processo de criação da peça Espaço Outro da ACRUEL Companhia foi publicado na revista eletrônica Questão de Crítica. O texto, escrito pela integrante Ana Ferreira, relata de forma informal a pesquisa feita. Está disponível em http://www.questaodecritica.com.br/2010/06/espaco-outro/ .

Segue o mesmo abaixo:

Espaço Outro

Artigo sobre o processo de criação da peça Espaço Outro, da Cia ACRUEL, de Curitiba

Foto: Rosano Mauro Jr

Espaço Outro é uma peça de gabinete, processo estranho à maioria dos criadores contemporâneos. A observação do espaço urbano, mais especificamente do centro da cidade, intercalou algumas fases da criação. Os ensaios tomaram pouquíssimo tempo. Foi à base de café que eu, Emanuelle Sotoski e Rubia Romani construímos esta obra.
O primeiro café deste processo foi tomado no Café Fingen, ao lado do Teatro Guaíra de Curitiba, onde o grupo Couve-Flor fazia Infiltrações. Tratava-se de uma intervenção na qual o público recebia por escrito um roteiro de ações executadas pelos artistas em qualquer lugar visível a partir das cadeiras do Café, do balcão à Praça Santos Andrade. Um homem procurava emprego em um jornal do outro lado da rua enquanto uma mulher vestida de verde e com os cabelos molhados pedia sorvete de pistache no balcão; e nós sabíamos antecipadamente que tudo isso aconteceria por causa daquele objeto vidente que havia nos sido entregue. O café trivial tornou-se mágico, todo o ambiente real tomou proporções ficcionais: as pessoas atravessando a faixa de pedestres com o intenso movimento das seis e meia era uma linda coreografia de balé. Junto comigo, estava a Manu, também integrante da ACRUEL.
Na mesma semana tivemos uma reunião sobre os próximos passos da companhia e eu falei sobre o quanto Infiltrações havia mexido comigo, o quanto eu passei a acreditar na necessidade deste tipo de arte. Qual necessidade? Qual tipo de arte? São perguntas que precisávamos nos fazer antes de apenas reproduzir a intervenção do Couve-Flor. Partimos para dois meses de discussão regada de O Teatro é necessário? e Carta aberta, ambos de Denis Guénoun, e As heterotopias de Michel Foucault. Havia questões nestes textos que nos eram centrais. No primeiro, Guénoun discute a falta de público nas peças teatrais em paralelo ao excesso de pessoas nos cursos de teatro. Para o autor, o indivíduo contemporâneo só pode se sentir parte de uma obra, estar representado nela, se ele realmente atuar na mesma. O grande golpe do teatro em nossa época só poderia ser tornar o público ativo. Carta aberta é um texto sobre, para, e, principalmente, pelo teatro. Um novo, não mais feito para poucos. Uma possibilidade nova de paixão para outros apaixonados da sociedade. Guénoun é contra o desejo comum aos artistas da adequação do povo ao pensamento artístico contemporâneo. Para o autor, a população não deve correr para alcançar a arte, o artista é que deve sair do seu meio restrito de convivência e endereçar sua obra à população. “Você quer os fanáticos por futebol, é preciso ir ao estádio sentir subir o grito quando a jogada é bonita. Deixe o teu quarto, tua vida interior. É preciso levá-la para dançar. Faze-la valsar” (1).
E o público do futebol realmente nos interessava, talvez não de forma objetiva. Desejávamos combinar a identificação individual com a catarse coletiva, característica extremamente forte nos enormes estádios (claro que a estrutura que podíamos oferecer tinha menores proporções), e através disso atrair outros tipos de espectadores, aqueles mais ativos. O “ano novo” nos pareceu uma metáfora perfeita para esta combinação, pois nele estamos decididos a agir em nossas vidas e por isso estabelecemos representações/identificações do que somos e queremos. Ao mesmo tempo, comemoramos a concepção destas idéias em conjunto com outras pessoas, compartilhando um sentimento de renovação. Esta festividade tornou-se uma referência para o ambiente que queríamos criar, e trouxe consigo um tema: iniciativa para a satisfação própria. O objetivo da nossa obra passou a ser buscar esta situação e sentimento, esta era sua necessidade.
Foucault entra nesta história para responder a segunda pergunta, aquela sobre o tipo de arte. O autor nos ajudou a orientar nossa estratégia de ação. Ele acredita que a história das sociedades contemporâneas é contada pelo espaço e pelas relações que surgem dele ou com ele. Os “outros espaços” ou “espaços outros”, são os mais interessantes ao estudioso, pois tem valores simbólicos que falam fortemente sobre a cultura dos povos. Dentre estes, os mais importantes são as “heterotopias”, lugares reais e concretos que assumem significados de outros lugares, formando assim um contra-espaço. Há diversas expressões desta classificação. O teatro, em si, já é uma heterotopia por natureza, pois cria um espaço ilusório que representa outros reais. Entre seus exemplos, Foucault menciona um que nos encantou muito:
“Devemos ter em conta que, no Oriente, o jardim era uma impressionante criação de tradições milenares, e que assumia significados profundos e sobrepostos. Na tradição persa, o jardim era um espaço sagrado que reiterava nos seus quatro cantos os quatro cantos do mundo, com um espaço supra-sagrado no centro, um umbigo do mundo (ocupado pela fonte de água). Toda a vegetação deveria encontrar-se ali reunida, formando como que um microcosmo. (…) O jardim é a mais pequena parcela do mundo e é também a totalidade do mundo; tem sido uma espécie de heterotopia feliz e universalizante desde os princípios da antiguidade.” (2)


Foto: Rosano Mauo Jr

Este foi um dos momentos em que demos uma pausa nos nossos cafés e fomos para a rua observar. Fizemos alguns exercícios dentre os quais o mais produtivo foi criar histórias improvisadas sobre as pessoas que passavam nas ruas. Nesta experiência, encontramos nas praças públicas nosso Jardim Persa, um espaço real com potência para simbolizar todo o movimento urbano. Isto porque este lugar combina ociosidade com intensa transitoriedade, o que lhe possibilita ter frações das mais diversas atividades da cidade.
A forma desejada para nossa obra possuía fortes inspirações em Infiltrações, mas aqui ambas se separaram. O trabalho do Couve-Flor objetivava intensificar o olhar do público sobre a rua e por isso o grupo mudava seu roteiro a cada cidade, criando novas estratégias de acordo com suas rotinas. Mas nós desejávamos implantar um jardim, uma representação geral do todo artificialmente fixada naquele espaço. Nós queríamos, mais do que intervir, fazer uma peça de teatro.
Fechamos nossa estrutura espacial: uma grande caixa transparente no centro da praça pública que seria nosso artefato mágico, aquele que possibilita entrar em um ‘espaço outro’ sem sair deste espaço real da praça. Chegamos, então, ao momento de construir o roteiro e, para isso, fizemos nossos cafezinhos e retornamos ao nosso gabinete. Voltamos-nos ao objetivo de causar a reflexão sobre o que somos e o que queremos e, a partir dela, uma comoção compartilhada. Fizemos-nos inúmeras perguntas sobre ações e escolhas na vida, muito bem traduzidas pela crítica Luciana Romagnolli como Quando a gente é feliz?. E dentro deste tema que envolve fortemente as tomadas de decisões, organizamos a estrutura da dramaturgia com o que chamamos de “estratégia do re”. Refazer, reciclar, re-significar, regressão. Baseando-nos nas observações e exercícios nas praças, listamos ações com forte caráter de iniciativa no sentido de uma satisfação pessoal. Com elas criamos um roteiro base. Este deu origem a outros cinco, todos com as mesmas ações, mas variando em atitudes e maneiras de se relacionar com as situações. Cada um dos cinco possui uma forma dominante de relacionamento, e é representado por uma cor. Deixamos a critério do público se cada roteiro é uma outra forma de ver algo que aconteceu (re-significar), possibilidade de agir na mesma ocasião (refazer) ou uma continuação de uma mesma história onde há uma nova chance aproveitada de outra maneira (reciclar). Apenas um ‘re’ dominamos exclusivamente: a regressão. As ações começam longe da caixa e a cada novo roteiro vão se aproximando, contagem regressiva para o momento em que chegam ao público e devolvem a ele a responsabilidade de agir e escolher em suas próprias vidas, de se movimentar no espaço real.
Voltamos para a praça e testamos todo o roteiro. A penúltima fase foi a escrita do texto que é narrado em off na grande caixa, orientando o olhar do público sobre as cenas que se passam espalhadas pelo espaço urbano. A linguagem dramatúrgica de cada um dos cinco roteiros foi pensada para corresponder às suas cores (formas de relação). Para os dois primeiros, cada uma das criadoras escreveu solitariamente um texto, depois nos reunimos e montamos um “Frankenstein” com partes do corpo de todos. Os três últimos foram pensados em conjunto, algo que consideramos importante devido à gradação da abstração que acontece no decorrer da contagem regressiva.
Partimos para a última e menos complexa parte do processo criativo: gravar e produzir o áudio e ensaiar com os atores. Diferente da maioria das peças, esta parte foi mais fácil porque Espaço Outro não exige uma interpretação sofisticada por parte dos atores. O que há de mais importante nesta obra é a sincronia do que está sendo narrado com o que acontece no espaço real.
Focamo-nos, durante todo o processo, em transformar o estudo teórico em resultado concreto – na medida em que se pode ser concreto ao fazer arte. Acredito que, em decorrência desta preocupação, tivemos retornos do público bastante significativos. Finalizamos recentemente a primeira temporada, que se deu em Curitiba. Agora, esperamos poder fazer esta experiência com públicos de outras cidades.
Notas:
(1)Tradução e adaptação de Fernando Kinas. Não publicado.
(2)Conferência proferida por Michel Foucault no Cercle d’Études Architecturales, em 14 de Março de 1967. Texto traduzido por Pedro Moura. Disponível em: http://www.virose.pt/vector/periferia/foucault_pt.html .
Site da Cia ACRUEL: http://www.acruel.com.br/


Foto: Rosano Mauro Jr

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Fim da temporada de Espaço Outro em Curitiba e estamos vendo as possibilidades de levá-lo para outras cidades. Mas independente disso, retomamos o processo criativo do nosso próximo projeto: É Uma Vez e Para Sempre. O texto será escrito por mim e pela Manu, que também atuaremos, e a direção fica a cargo de Márcio Mattana.

Na discussão pré-início de criação textual, voltamo-nos aos nossos objetivos: mostrar o ser humano quando ele age apenas pelo que deseja, ignorando uma moral e o zêlo ao outro. Nosso material para isso são as versões originais dos contos de fadas, que eram repletas de crueldade e de ações que seriam perturbadoras para as pessoas de hoje. Queremos revelar ao público a realidade cruel nestes contos que vai contra ao apego inocente que temos por ele e, como isso, que as pessoas se deparem com algo que foi formador de seus valores chocando-se contra eles.

A idéia para a encenação é ultilizar a linguagem do Pop para intensificar a perturbação. O Pop, sendo a estética do desejo na sociedade contemporânea, teria a função de causar atração nos espectadores por estas ações consideradas, hoje, perverção. Estabelece-se assim a contradição psicológica e a discussão sobre o que é a natureza humana.

Eu e a Manu estamos aproveitando muito os estudos feito no Núcleo de Dramaturgia SESI para discutir a linguagem do nosso texto. Na próxima semana, nos concentraremos em rever algumas referências e discuti-las. Ainda vai um tempo para começarmos a botar a mão na massa.

A peça ainda não tem previsão para estréia, isso dependerá de alguns resultados de editais que estamos esperando.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Senhor Humor

O "Senhor Humor", personagem caricato de Espaço Outro interpretado por Renato Sbardelotto. Fotos de Rosano Mauro Jr.





domingo, 30 de maio de 2010

Vídeo de Espaço Outro

Nesta cena de Espaço Outro, há uma música no interior da caixa. Mas para quem assiste a peça de fora, tudo está em silêncio, exatamente assim:

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Restam apenas duas apresentações: sexta e sábado às 16h30 na Praça Rui Barbosa.
Quem puder ir na sexta deve aproveitar, a tendência do sábado é a caixa encher demais.
Esperamos todos que ainda não foram.
Nos vemos lá!

terça-feira, 25 de maio de 2010

Última semana

Começou a última semana de Espaço Outro.
Hoje tivemos uma linda tarde de Sol. Esperamos que continue assim para podermos aproveitar toda a semana.
Só restam quatro apresentações...
Aproveite!

sexta-feira, 21 de maio de 2010

No Twitter

Retorno do público no Twitter:

tiagoathayde: @acruelcompanhia poucas vezes me senti tão vivo na rui barbosa...paro e reparo que ao ver tmb sou visto, então decido se atuo ou se assisto

Allanlpereira: @acruelcompanhia pessoal, muito bom o trabalho e o projeto Espaço Outro. Parabéns!


fusaoderua: Já que é pra "sugestar": Eu quero @acruelcompanhia no @FITRioPreto2010

fertaka: Sábado foi dia de Espaço Outro, da @acruelcompanhia. Parabéns pela proposta, principalmente em Curitiba. Diversos olhares...

gustavo_stella: "É a partir daqui." Tô com isso na cabeça desde que vi "ESPAÇO OUTRO" da @acruelcompanhia

cabruera: @acruelcompanhia, assisti hoje a peça. fez ganhar meu dia cinza.   

eusouumcarrinho: @acruelcompanhia pegou o espirito de Eu Tambem Quero Um Carrinho de Mercado ;)

Agradecemos a todos o carinho. Estamos imensamente felizes com conseguirmos afetar as pessoas.

Siga a ACRUEL no twitter e acompanhe você tbm: @acruelcompanhia

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Espaço Outro na Praça Rui Barbosa

Começa "Espaço Outro" na Praça Rui Barbosa.
De terça à sábado às 16h30.
Até o dia 29.
Entrada Franca.

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