Olhei seu sorriso e achei que vi um sorriso. Olhei seus olhos e achei que era pra mim. Não vi mais ninguém, perdi o foco – eu sou assim, num piscar de olhos me deixo pegar. Não me olhe desse jeito, não veja isso como um problema – não se sinta responsável – não sou raposa, nem você é príncipe, nem ninguém é responsável por aquilo que cativa. Não olhe pra trás, o que foi já foi, eu estou aqui parada, mas, se fechar os olhos, estarei em muitos lugares, assim mesmo, num piscar de olhos. As coisas não são o que parecem, tudo é o que se quer ver, pra ver outra coisa basta dar a volta, atrás da escola está o traficante, acima do cenário está o urdimento, debaixo do tapete está a sujeira, os lactobacilos são bactérias ou são yakult?, tudo depende de o que se vê, de pra onde se olha, de como se quer ver as coisas, eu tenho muitos olhos, eu não tenho olhos só pra você – eu sei, eu pareço volúvel – com um olho eu choro, os outros eu pinto pro baile. Atrás do baile tem a cozinha do baile, se você visse a cozinha não comeria esta esfiha, o que é diversão pra uns é trabalho pros outros, quem trabalha no que gosta economiza os olhos, eu uso óculos porque acho charmoso, faz parte deste meu jeito, é assim que eu quero ser vista, como você pode ver eu me ligo um pouco em aparências, mas – no fundo, no fundo – meu olhar interior é bem generoso – não sei, soa meio presunçoso isso, mas alguém me disse e eu achei bonito – repeti – desculpe – perdi o foco de novo, viu? – muitos olhos, é fácil perder o foco – óculos multifocais, eu uso eles pra ler, pra ler este seu sorriso e esta pequena lágrima escondida no canto do seu olho, pronta pra pular e me afogar – eu não vou me afogar – não vou te afagar nem te bater. Pode ir chorar escondido dos meus olhos – eu sei que deixo as pessoas constrangidas como se todos os olhos estivessem olhando – haja talento pra tantas câmeras – haja ângulos bons pra mostrar – mas eu juro, sou boa fotógrafa e o resto a gente resolve no photoshop.
Márcio Mattana