domingo, 9 de novembro de 2008

Fale com a minha mão!

- Então mão direita? Nada como um dia após o outro. Justo você que sempre me criticava de ser tão controladora, não é que comete o mesmo mal?
- Não me amole, de todos os meus problemas o que menos me preocupa é o seu sarcasmo.
- Hahaha. Que bom que o mundo gira. Tome cuidada mão direita, para resolver os seus graves problemas está utilizando os meus princípios, outrora tão criticados pela sua intelectualidade e que após esta turbulência pode lhe provocar uma grande dor de cabeça. Algo como uma ressaca mental.
- Você fala como se nunca tivesse errado. Você só sabe de teoria e no fundo inveja minha praticidade que fez o tal mundo girar.
- Isso são coisas dos seus olhos. Seus mesmos olhos que me acusava de pedófilo, de drogado, de robô.
- Pois, ora, mão esquerda, se seu mundo fosse perfeito não estaria sentada em ruínas, torcendo para que meu destino seja igual ao seu.
- No meu ponto de vista o seu mundo já era, enquanto meu mundo nunca foi, mas será, no futuro do indicativo.
- Pois bem, por isso o homem, como ser humano, primata, tem dois olhos. Um olho para cada mão.
- No meu olho você está patética neste disfarce de mão esquerda.
- No meu olho, o seu fracasso foi o melhor que poderia ocorrer à humanidade. Como queria que prosseguisse a complexidade das relações sob a égide da sua batuta?
- Eu nunca fracassei, se quer estive próximo das relações ideais. Fui envenenado antes pelo seu veneno negro, que até hoje atinge os meus restos mortais.
- É fácil me culpar. Porque não culpa a mente humana pelo seu fracasso.
- Já disse que nunca fracassei.
- Isso depende do olho. Cada mão com o seu olho.
- Pois bem, e é melhor assim, olho direito para mão direita, olho esquerdo para a mão esquerda. Assim como a aranha que tem oito olhos para as suas oito patas, o ser humano tem dois olhos para suas duas mãos.
- Lá vem você querendo controlar tudo de novo. Quem disse que o ser humano tem apenas dois olhos.
- O do século XX tinha.
- E o homem do século XXI?
- Esse talvez só tenha um olho...o seu.
- E tomara que continue assim. Mundo moderno benzinho.
- Quem é você pra me falar de modernidade?
- Sou a mão do século XXI
- Depois desse seu descontrole de tentar controlar, tome cuidado. Rompimentos de paradigmas geram marcas que nem mesmo o seu dinheiro pode curar. Surgirão outras mãos, ainda neste século, e quem sabe até eu retorne?
- Então volte como outro olho, esse seu já ta gasto.
- Mas me resta alguma coisa para ver o seu declínio.
- Tá gasto e burro. Realmente crê que este é o fim? Já passei por coisas piores.
- Mas nunca foi controladora.
- Já fui, só adicionei o Neo e fingi que não era comigo.
- E o que vai fazer agora? Colocar o fim?
- Isto é relativo. Talvez eu ponha um acento, mas não se preocupe, o meu mundo se auto-sustenta.
- Isso são coisas dos seus olhos Torcerei para que neste século, as mãos vindouras não cometam nossos erros.
- É...talvez sim, talvez não. Quem sabe no seu olho, talvez um dia, você entenda que eu nunca estive tão errada?
- Mas precisava causar tanto sofrimento?
- Faço a mesma pergunta pra você...

Pedro Paulo Beaklini

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Tudo está de cabeça para baixo

Os esquimós: sabe como eles imaginam o Inferno? Gelado.
E os russos: sabe como eles chamam a Montanha Russa? Montanha Americana.
E os peixes: sabe o que eles fazem quando vêm à tona? Eles prendem a respiração.

Márcio Mattana

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Nós vemos o passado. A velocidade da luz não é infinita. Para uma pessoa ver alguma coisa, é necessário que a luz reflita no objeto até chegar aos seus olhos. Mesmo quando vemos objetos que têm luz própria, vemos sua emissão de milésimos de segundos no passado. No caso de estrelas, este segundo se transforma em minutos, horas, dias, meses e anos. Milhares de anos, quando estes objetos são galáxias. Nós sempre vemos o passado, quanto mais longe o objeto, mais tempo demora para a luz atingir o nossos olhos. Se o sol se apagar, viveremos 8 minutos de ignorância, seguindo nossas vidas sem preocupação, até que toda terra se escureça. Sempre que olhamos o sol, olhamos o passado, sendo o mesmo valido quando olhamos a noite. Alias, o sol é o principal motivo para que enxerguemos na faixa visível do espectro. Não é coincidência o máximo de emissão do sol ocorrer nos mesmos comprimentos de onda em que são capazes de detectar os olhos de todos os seres vivos da terra. Mesmo que nenhum bicho tenha visão igual a nenhum bicho, nem mesmo um ser humano tem visão igual a um ser humano. O que temos de parecido é o tempo em que a imagem permanece fixa em nossa retina. Graças a esse fenômeno que existem os filmes, os desenhos e a mágicas, que brincam com a sucessão de movimentos que conseguimos ou não enxergar. Assim como o ventilador girando na mesma freqüência do piscar de uma luz parece parado, uma sucessão de imagens paradas cria um movimento perfeito, se considerando o intervalo em que a imagem fica fixa em nossa retina. O fato, que não vemos só com olhos. O fato, é que vemos sempre o passado, até quando não usamos os olhos. A quem não crê nessa informação, não afobe, não há problema, afinal o tempo é relativo, assim como é relativa a visão de cada olho.

Pedro Paulo Beaklini

Meio

A narrativa podia acabar no meio. porque se ela começa no fim a ordem dos fatores não alterará o produto. Até porque ele já é conhecido. Porque na verdade ele é que vem antes.

Eu lembro o dia em que caminhávamos. Tínhamos algo em comum, Seu lenço da cor de minha blusa . E fazíamos o par perfeito Vinho tinto e verde alface. Você me buscava. Não queria que eu fosse alem. Tudo era jogo. Os pequenos e grandes mistérios eram ditos com o olhar. Não nada de rebeldia. eu só queria viver como quisessem. Sem me preocupar com nada. So queira Ver.

Gosto muito de fotografia a algo dentro daquela câmera escura que me prende. Começo e não termino mais. sempre quero mais uma foto. Seus pés ficam lindos em um fundo branco. E há um momento em que a câmera dispara sem meu controle. Eu gosto do recorte que aquele momento traz. Não importa o que vem antes ou depois. Gosto desse momento. Sem nada, só ele e pronto. O meu meio. Os meus meios são vários. Um atrás do outro, mas nenhum veio primeiro. Estão todos ali, misturados, em meio a tudo.
Eu gosto de olhar e me intrometer em tudo isso com uma lente que não me pertence. E um dia a historia será contada sob meu ponto de vista. E você dirá que na verdade não era assim, mas não importa porque palavras me dizem pouco que importa são imagens. Sou como são Tomé preciso ver para crer. Tenho um grande olho que capta tudo. Zoom de mais de 20X. posso ver alem. Não precisa explicar nada. O que quero na verdade é a lagrima que escorrerá.

Emanuelle Sotoski

domingo, 28 de setembro de 2008

enquanto você dormia













- Passei suas roupas todas antes de você acordar.
- (não responde)
- Todo dia eu passo minha vida a limpo, no ferro de passar.
- (não responde)
- Eu sei. A maior parte da vida nem está amassada.

Corte cinematográfico.
Tudo girando, como num parque de diversões, acelerando, acelerando, mais rápido, vocês no parque de diversão, barulho ao longe, talvez de crianças num chapéu mexicano ou montanha russa. Cartão postal, férias com a família, cachorro-quente e pipoca, cheiros e cores, tudo meio confuso como num flash – um flash é uma boa imagem – é isto – um flash – disso tudo – bem rápido acelerando e então suspende – Brusco.

Uma Pausa.
Longa.

Detalhe da mão segurando o bastão de algodão doce. Silêncio como num filme antigo. Eisenstein. Detalhe da outra mão segurando o balão de gás – não, não o balão – a cordinha do balão – a cordinha na mão, esticada pra cima, dando a entender que sustenta um balão de gás. Silêncio.

Corte.
Corte cinematográfico e uma mão alisa o seu cabelo. Uma mão macia. Música. Um cafuné com trilha sonora, um cafuné – uma seqüência inteira de cafuné, meio em câmera lenta, quase uma coreografia – sim, na verdade quase um balé-cafuné, e a trilha sonora vai crescendo, mãos e cabelos.

Corte.
De novo o detalhe do algodão doce, outra vez a cordinha do balão de gás. Nenhuma música aqui. Ruídos do ambiente, mas bem fraquinhos. Olhar pra dentro. Sangue correndo nas veias, alimentando e irrigando órgãos internos e o som ambiente baixinho. Um pulmão em plena atividade e ao longe a voz da tia do cachorro quente e os gritinhos vindos do chapéu mexicano.

Ou montanha russa.

Ou não.
Nenhuma imagem interna, apenas o blecaute e os sons.

Corte.
Agora parece uma cena de diálogo da qual foi tirado o áudio. Não se ouve o que uma diz. A outra fica calada e parece entender. Nesta seqüência não há música, nem balão de gás, nem chapéu mexicano, nem cachorro quente.


Nota para a iluminação: todas as cenas externas são claras. As internas são escuras.

sábado, 27 de setembro de 2008

não, não são as mesmas...

As ruas de Bagdá não são as mesmas, hoje enquanto dormia coloquei aquele velho tênis azul de corrida e corri muito por todas as ruas próximas, corri por outras distantes também. E volto a falar, a ruas de Bagdá não são as mesmas, hoje enquanto dormia corri na padaria para te trazer pão quente, corri porque o pão não podia chegar frio em casa, senão melhor não trazê-lo.
Corri enquanto dormia porque pensei em tudo o que deveria dizer, mas tudo passava tão rápido por mim que cheguei em casa e não lembrava de uma palavra sequer.
Dormia enquanto corri sem rumo. As ruas de Bagdá não são as mesmas, tudo parece que está prestes a explodir, e não se preocupe, saio correndo antes para ver se há perigo. Do meu lado explodiu uma criança hoje, podia ter sido você, mas você ainda esta em casa esperando que eu chegue com a vela, já disse que o pavio queimou, essa brasa não será o suficiente pra enxergar tudo o que eu quero ver.
Hoje explodiu o portão da nossa casa, ainda quer ficar, ainda vai fingir que nada acontece?
Você diz que olha por onde anda... mas já viu o portão da nossa casa? Não me venha com a desculpa da luz novamente, eu consigo ver.. você vai querer olhar?
Você já sabe o que fazer, passou todas as minhas roupas enquanto eu dormia.

mãos cegas

A falta de luz me faz mapear seu corpo com as mãos, essas mãos que olham mais do que seus olhos grandes em cima de mim. Busquei te tocar cada vez mais e... e como plugamos os fios nos lugares certos... Agora não há lugar para mais fios, mais tomadas, mais resoluções. Tudo virou uma cama de gato. Minhas mãos calejaram, sinto dor de te tocar, não te vejo mais. Corro então...não era aqui que deveríamos estar. Você pra cá e eu pra lá de Bagdá, sabendo que o tempo escasso que temos é contado por uma máquina, não é para sentirmos nada, você com tantos olhos e eu cega... fique com meus olhos, se quiser fique com minhas mãos também, assim que terminarmos farei um transplante de córneas.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

a arte subverte a linguagem porque antecipa o próximo sistema de linguagem

Nós vivemos em um mundo em que tudo é puro discurso. A realidade não é objeto, e sim o objeto representado. Eu represento qualquer coisa através do discurso bem elaborado. E isso implica na fragilidade da verdade. Porque as coisas são voláteis, são instáveis.

O real é aquilo que escapa à linguagem.

A imagem que nós temos de nós mesmos é algo construído. Não nos enxergamos. Só podemos ver o outro. A nossa auto-imagem é mediada pelo espelho.

Só é possível haver comunicação quando emissor e receptor interpretam signos dentro de um mesmo código. A língua, por exemplo, é um código. Pois código é um conjunto organizado - sistema - de sons, imagens, signos. Mas se o código é social e histórico raramente partilhamos do mesmo. Isso gera o ruído.

"A palavra é a morte da coisa", Foucault
"A linguagem é fonte de mal-entendidos." Pequeno Príncipe
"Todo texto carrega uma contradição", Bahktin
"O herói virou um homem fragmentado", McLuhan

Nina Rosa Sá

O HERÓI VIROU UM HOMEM FRAGMENTADO

Eu sei que tudo isso começou assim porque eu te causei uma espécie de fascínio imagético. Porque eu te hipnotizei, como se hipnotiza uma serpente com o som da flauta. Eu te fascinei com a imagem que eu projetei pra você a partir do que eu sou, do que eu era. E você ficou paralisada. Presa. Mas esse tipo de fascínio passa. Você se libertou de mim. Você se libertou quando percebeu que a imagem não era a essência. E eu sei que essa mala embaixo da cama está aí há muito mais tempo de forma não-concreta. A idéia da mala está aí desde que a imagem se dissolveu. E isso já faz muito tempo. Muito mais tempo do que o dia em que você tirou todas as roupas do armário, colocou-as na mala e escondeu tudo debaixo da cama. Concretamente isso aconteceu apenas na semana passada. Mas nós sabemos que essa mala está aí há vários meses.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Cai a luz

- Minhas mãos estão ardendo.
- Venha deitar. Você teceu demais ontem.
- Não posso. É hora de começar. E agora que sei... simplesmente não posso.
- Eu me preocupo.
- É meu dever. Não posso deixar que você me impeça.
- Claro... (pausa) Você deve compreender meu amor. É um caso de sobrevivência.
- Se você construisse sua própria teia...
- Você sabe meu amor. Não é da minha natureza. Além do que mais, eu não quero trocar minha vida pela sua.
- Desculpe. Apenas não é uma questão de escolha. Eu preciso fazê-lo.
- Bom, eu ainda posso tentar... nos salvar na luz.
- Por que você está fazendo isso? Você sabe. Eu trabalho o dia todo. Você tem apenas duas horas. Pra que adiar?
- Eu não sei exatamente. (pausa) Talvez seja por quantas mais 22 horas eu estiver com você. Talvez eu seja um mártir. Talvez goste de desafios. Ou tenha orgulho de ser uma presa grande; frutífera e protéica. Talvez tenha nojo de tudo isso e seja doente. Eu não sei. Apenas preciso fazê-lo. (pausa). Venha, me abrace. Ah, não chore, meu amor. Shiii... Eu ainda estou aqui. Temos 22 horas agora.

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